Título original em inglês: A Tribute to Amatu´l-Bahá Rúhíyyih Khánum
Tradução: Nicholas e Yolanda WildingA autoria desse tributo em sua presente forma, não teria sido possível sem a assistência indispensável de Nell Golden, a mui amada secretaria particular de Amatu'l-Bahá, cuja meticulosa pesquisa no corpo de documentos sobre a vida de Rúhíyyih Khánum proveu muitos dos fatos incorporados a este texto, que ela tão gentil e diligentemente digitou. Também gostaria de expressar minha apreciação e profunda gratidão à minha filha, Bahiyyih Nakhjaváni, por sua inestimável ajuda em editar o manuscrito.
Nota: O material neste tributo foi reunido dos papeis pessoais de Amatu'l-Bahá Rúhíyyih Khánum. Infelizmente até agora a carta original de May Maxwell para Agnes Alexander citada nas páginas iniciais não foi encontrada, mas o texto da carta sugere grande credibilidade, pois está de acordo, na sua essência, com as notas do diário encontrado entre os papéis de Mirza 'Alí Akbar Nakhjaváni.
PrólogoNo dia 19 de Janeiro do ano 2000, uma dama deixou este mundo. Ela era única e, com o seu falecimento, um capítulo terminou e uma página da história foi virada. E quando poucos dias mais tarde, os restos mortais de Amatu'l-Bahá Rúhíyyih Khánum foram enterrados, a Casa Universal de Justiça sepultou-a num local também único. Pois o seu túmulo não jaz na montanha entre os monumentos da Folha Mais Sagrada e outros membros da família de Bahá'u'lláh, nem se encontra no cemitério onde Bahá'ís no Centro Mundial tem sido enterrados por tantas décadas a fio. Assim como a sua própria posição na história foi preparada por Shoghi Effendi, também nos parece que seu túmulo que fica num jardim próprio, tivesse sido preparado para ela. Flanqueado de cada lado por ligações com aqueles que dominaram sua vida - sua mãe May Maxwell e seu próprio Guardião - seu túmulo localiza-se no pequeno parque em frente à Casa do Mestre onde ela viveu por 63 anos e onde ela deixou sua marca singular.
Embora seu lugar na história tenha sido determinado simbolicamente com a sua morte, será muito mais difícil captar e definir uma vida tão rica e variada como a de Mary Maxwell, a quem foi posteriormente dado o nome e título de Amatu'l-Bahá Rúhíyyih Khánum por seu amado marido e seu Guardião. Ainda estamos demasiado próximos dela para podermos compreender o verdadeiro valor de seus serviços para a comunidade mundial Bahá'í e ainda muito limitados em nossa compreensão da nossa própria história para que consigamos avaliar as diferentes perspectivas proporcionadas por sua personalidade. Talvez atualmente ainda estejamos, também, demasiado influenciados pela dupla tendência de exagerar e subestimar quando escrevemos uma biografia, para sermos capazes de fazer-lhe justiça. Ainda não aprendemos a distinguir entre a apropriada objetividade e o voyeurismo, entre uma hagiografia cansativa e a narração da vida espiritual de uma pessoa. Talvez seja muito cedo para escrever sobre a vida de Rúhíyyih Khánum.
Certamente, não sou nenhuma escritora e nunca me atreveria a chamar-me de biógrafa de alguém tão dinâmica e enérgica como Amatu'l-Bahá. Mas devido à grande honra que tive nestes últimos quarenta anos, de conhecê-la e ouvir as formas que ela escolhia para definir-se e descrever-se a si mesma, sinto uma certa responsabilidade de fazer algumas pobres e inadequadas tentativas iniciais de resumir os amplos contornos da sua vida.
A seguinte monografia, em três partes, é um resumo da sua história dentro de uma simples estrutura cronológica de eventos. Estas três partes, desde o nascimento de Mary Maxwell até os anos finais de Rúhíyyih Khánum, cobrem seus primeiros anos, seus anos de casamento com Shoghi Effendi e seus anos finais de serviço e viagens. Assim como as perspectivas que flanqueiam seu lugar de repouso, também descrevem as amplas influências da sua vida: de um lado, a antiga Casa de Peregrinos, onde o mesmo quarto no qual a sua mãe ficou, agora eleva-se acima de seu túmulo; do outro lado, a sala de jantar da Rua Haparsim, número 10, na qual ela se sentou ao lado do Guardião durante todos os anos de seu casamento; e na frente, a Casa de 'Abdu'l-Bahá, uma residência impregnada de história, marcada pela morte e sofrimento, uma casa que ela encheu de vida e risos e para a qual aqueles que ela conheceu nos quatro cantos do mundo vinham e desfrutavam da sua hospitalidade.
É uma história de muitas facetas, tais como estas e de muitas outras dimensões. Sem dúvida outros mais qualificados que eu a explorarão mais profundamente e irão no futuro, compreendê-la melhor do que eu posso hoje. Mas apesar de modesto e insuficiente, desejo oferecer este pequeno tributo a ela, com todo meu amor.
Violette NakhjavániAgosto de 2000, em memória ao nonagésimo aniversário de Amatu'l-Bahá
IO nascimento de Mary Sutherland Maxwell, no dia 8 de agosto, no Hospital Hahnemann, mais tarde conhecido como o Hospital da Quinta Avenida, na cidade de Nova Iorque, foi a notícia mais fervorosa entre a comunidade Bahá'í norte-americana no verão de 1910. Desde que May Bolles havia aceitado a Revelação de Bahá'u'lláh, ela foi conhecida e amada por todos os primeiros Bahá'ís como uma das mais proeminentes discípulas de 'Abdu'l-Bahá; seu esposo, Sutherland Maxwell, era um eminente arquiteto no Canadá e sua casa em Montreal era um lugar de cultura e vitalidade espiritual. Quando os Bahá'ís leram o anúncio: "Uma pequena filha veio abençoar o lar do sr. e sra. W. S. Maxwell de Montreal, Canadá", no Volume 1, número 9 da revista Star of the West no dia 20 de agosto, com certeza causou muitas furor de animado interesse entre eles. Seguramente houve muitos deles que expressaram seus parabéns e enviaram seus melhores desejos.
"No jardim da existência uma rosa floresceu com o maior frescor, fragrância e beleza. Educa-a conforme os ensinamentos divinos para que consiga crescer a fim de ser uma verdadeira Bahá'í e esforça-te com todo teu coração, a fim de que ela receba o Espírito Santo."
Estas palavras do Centro do Convênio, 'Abdu'l-Bahá, numa Epístola datada de 2 de março de 1911, foram dirigidas a May Maxwell quando Mary tinha apenas sete meses de idade e com certeza foram a maior confirmação que ela sempre recebeu desta benção. As circunstâncias do nascimento da sua pequena filha foram como um conto de fadas e foram muito relatadas, e freqüentemente distorcidas, pois ocorreram durante os primeiros anos deste século. Porém, May Maxwell nos dá a versão original numa carta que ela escreveu para Agnes Alexander no dia 7 de maio de 1910:
Minha querida Agnes,Todas as suas estimadas cartas foram recebidas e... Você deve ter se perguntado a respeito do meu silêncio apesar de todo o seu amor e bondade, mas você entenderá quando lhe digo que este inverno tem sido de grande fraqueza física e sofrimento para mim, assim a maior parte do tempo tenho sido incapaz de escrever, ou de fazer qualquer esforço.
Há pouco mais de um ano, quando eu estava em 'Akka, passei certo entardecer ao crepúsculo, em frente à porta do Mestre. A sua filha Rouha estava comigo e nos meus braços eu carregava o seu bebê recém-nascido. De repente, vi o Nosso Amado Senhor emoldurado na entrada contemplando-me atentamente - então Ele disse - "Você ama essa criança?"
"Oh! eu a amo", respondi - e depois de uma pausa, Nosso Senhor disse: "Venha para cá, venha aqui dentro", e eu fui e fiquei parada em frente a Ele no Seu quarto, com o bebê nos meus braços e Rouha do meu lado. Então o Abençoado se sentou olhando para nós; e Ele me disse: "Você gostaria de ter um bebê?" e eu respondi, "Eu ficaria tão feliz de ter um", e Ele disse, "Você sabe por quê nunca teve um? É porque você foi uma serva amada escolhida de Deus - você foi chamada para o serviço de Deus - você não podia ter filhos, porque tinha que dedicar seu tempo para o serviço da Causa. Este é o único motivo; este é o único motivo."
Permaneci em pé com a cabeça inclinada perante Ele e depois de um pequeno silêncio Ele disse: "Me responda, você quer ter um filho? Você pode querer ou não!"
Então, eu olhei para Ele com todo o meu coração e alma e adoração e eu disse: "Escolho o que quer que Deus escolha - não tenho nenhuma escolha senão a dEle." Embora aquelas palavras fossem bem simples - nelas eu renunciei a toda esperança de maternidade. Então, 'Abdu'l-Bahá levantou-Se rapidamente e veio a mim, apertou-me em Seus braços com o maior amor e alegria e, disse: "Essa é a melhor escolha, a Vontade de Deus é a melhor escolha", e caminhando de um lado a outro no quarto Ele continuou: "Rezarei por você, que Deus lhe envie o que for melhor para você. Tenha certeza disto, que Deus lhe enviará o que é melhor para você." E isto Ele repetiu várias vezes.
Assim terminou esta cena que nunca será esquecida - mas eu não posso descrever sua realidade - o profundo significado daqueles momentos - o clima de beleza e santidade que permeou o pequeno quarto - a entrega de uma alma na Presença do Senhor - o silencioso crepúsculo na terra mesclando-se com a refulgente pureza e paz do Reino de Deus.
E a respeito do próprio Adorado - o que podemos dizer? Tal amor - tal amor maravilhoso - revelado na Face e Voz e Olhos e Toque! Um amor tão terno de se entender, tão forte para redimir! Ele desejou para mim, assim como para todos, o mais elevado e melhor - não o instável desejo mortal - nem mesmo os naturais anelos humanos - nem sequer a pura flor da maternidade - mas a entrega da alma a Deus, a única forma através da qual se atinge o ápice do desprendimento e santidade e se torna aceso com o fogo do Amor Eterno.
E assim lhe contei, minha Agnes - uma cena desses dias divinos e perfeitos no Reino de Deus - e há seu tempo espero poder lhe contar tudo... Pois aqueles dias vivem para sempre, muito acima do mundo - e eu desejo ardentemente que você e todos os outros queridos possam compartilhar de seus frutos sagrados. E agora, minha querida, irei confiar-lhe um segredo que é a seqüência do que tenho dito. Nosso querido Senhor favoreceu a Sua serva mais do que ela poderia jamais esperar, e pelas puras chuvas da Sua Bondade irrigou a semente da vida, e está trazendo uma criança. Em poucos meses, Inshá'lláh,* nascerá o bebê que Ele enviou para mim e meu esposo, e rogo por suas orações, tanto para o bebê quanto para mim - pois não sou forte - nem jovem! E fisicamente estou passando por provações - e neste inverno tive uma queda que quase foi fatal. Não disse isto aos amigos - mesmo aos mais íntimos - mas eu queria que você soubesse - e sei que você manterá minha confiança.
*Se Deus quiser. N.E.May levou a sério as injunções do seu Senhor. Ela se esforçou para educar sua preciosa filha, dada por Deus, de acordo com os ensinamentos divinos, tal como Ele a havia instruído a fazer. Ela fez o melhor de si para assegurar que sua pequena Mary crescesse para "ser uma verdadeira bahá'í" de forma que ela pudesse verdadeiramente ser capaz de "receber o Espírito Santo", tal como o Mestre prometera.
Alguns anos atrás, Amatu'l-Bahá mostrou-me um pequeno álbum preto com fotos que ela havia encontrado na gaveta da escrivaninha do amado Guardião após seu falecimento. Ele havia arranjado suas favoritas fotografias de Mary Maxwell neste álbum, de sua infância, passando por seus anos de adolescência. E havia entre elas uma fotografia dela aos cinco anos de idade pela qual ele tinha um carinho especial. Numa pequena nota escrita pela própria May Maxwell encontra-se uma descrição muito similar a esta fotografia, que alegra o coração. Ela escreve:
Mary tinha apenas cinco anos de idade quando esta fotografia dela, irrompendo entre os canteiros de margaridas, foi tirada. Esta fotografia revela quase tudo sobre Mary. Se fôssemos tão desenvolvidos a ponto de podermos ver as coisas interiores tão bem quanto as exteriores, saberíamos tudo sobre Mary, apenas estudando esta fotografia. Aqui ela está no seu próprio mundo - o Reino da Natureza que ela ama tanto - o sol, o ar, as flores, tudo o que cresce é familiar e estimado por ela. Sobretudo o mundo animal, Mary adora desde o menor inseto até o rei do Reino Animal - e este rei leão é o mais favorito de todos. Desde que ela era um bebê, começando a caminhar, a Mãe Natureza cativou o amor apaixonado desta criança - de modo que ainda nos primeiros anos da sua vida já aprendeu tudo sobre besouros, minhocas, lagartas, moscas, formigas, abelhas, vespas, marimbondos, aranhas, etc - onde vivem, como vivem, o que comem, e por quais mudanças passam. Ela sabe sobre sapos, rãs, lagartos, cobras, enguias da lama e não sei quantas outras criaturas pegajosas. Todo este conhecimento ela obteve de primeira mão, direto da fonte, ao observar estas criaturas - pegando-as - mantendo-as por um tempo e alimentando-as - e fazendo com que as pessoas lessem, para ela, tudo sobre elas nos livros.
Rúhíyyih Khánum costumava se referir à sua educação formal como "remendada", lembrando seus dias de escola como sendo escassos e não freqüentes. Os métodos tradicionais de educação da época tendiam a ser rígidos e autoritários, de mente estreita e ditatorial, e a pequena Mary pode ter sofrido com estes métodos, pois seu espírito era livre e sua vontade era forte. A preocupação da sua mãe em provê-la com a "liberdade" que 'Abdu'l-Bahá tinha prescrito, está refletida numa carta endereçada a Marion Holley (Hofman), datada de 15 de julho de 1937, na qual May Maxwell conta sobre o aprendizado inicial de Mary:
...Você talvez saiba que quando Rúhíyyih tinha três ou quatro anos de idade eu importei o primeiro conjunto (Método Montessori) para o Canadá, com uma professora Montessori de Nova Iorque e estabeleci a primeira escola deste tipo no Canadá (Montreal) na nossa própria casa. ... Realmente fez maravilhas para ela e as outras oito crianças, e 'Abdu'l-Bahá, com quem eu relatei o trabalho de Montessori em 1912, disse que ela era a maior psicóloga moderna... Foi através de tudo isto que eu comecei a me interessar pelo "Movimento do Progresso e Educação", do qual eu sou praticamente um membro fundador e assinei sua revista editada por Stanwood Cobb.
Após este começo, ela também teve um ano de escola em Montreal, alguns poucos meses na Chevy Chase Country Day School, em Maryland, e outro ano na Weston High School, em Montreal. No período entre estas experiências educativas casuais ela foi ensinada em casa por governantas e professoras particulares, mas isto somava-se ao seu aprendizado escolar, até que mais tarde se tornou uma estudante de tempo parcial na Universidade McGill, onde ela dizia que invariavelmente chegava tarde para a aula das 9:00 da manhã! A sua mãe, que sofria de disfunção neurológica e insônia por toda sua vida, não tinha a coragem de acordar Mary cedo de manhã já que ela tinha uma teoria de que o sono dos jovens não devia ser jamais interrompido! Rúhíyyih Khánum costumava explicar que a razão para a sua criação e educação pouco convencionais era devido à saúde precária de sua mãe e ao constante medo que tinha de perdê-la. Quando estava longe de casa, ela ficava altamente ansiosa, pois sua mãe era fisicamente frágil e havia estado próxima da morte em várias ocasiões.
Contudo, apesar destas inconsistências na sua educação, ela se converteria numa pessoa bem letrada e conhecedora, com um enorme interesse numa variedade de assuntos. A sua sede por adquirir conhecimento era insaciável e por toda a sua vida, praticamente até o fim, ela recortava artigos dos jornais que chamavam sua atenção por refletirem temas ou assuntos Bahá'ís de interesse particular para ela. Quando jovem, adorava que lessem para ela os seus contos de fadas favoritos, e como não gostava de deixar uma história sem acabar quando a sua mãe a colocava na cama, simplesmente aprendeu a ler, sem ajuda, para poder continuar lendo a história até o fim. Pode ter sido este hábito que a acostumou à leitura até tarde da noite. Ela costumava dizer: "Eu fui desmamada com contos de fadas clássicos europeus dos Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen." Os livros de Oz também estavam entre seus favoritos. Estas belas edições, algumas das quais foram embelezadas com desenhos originais de Arthur Rackham e Kay Neilson, foram estimados por ela até o fim da sua vida. Seu amado pai, de quem herdou as suas habilidades artísticas, seu conhecimentos sobre antiguidades e seu amor por bons livros, aumentava esta coleção sempre que ele encontrava uma bela edição das suas favoritas.
Ela teve uma infância plena, livre e feliz. Suas únicas tristezas naquele tempo, sobre as quais falava até a idade avançada, foram os períodos de separação da sua amada mãe. May Maxwell era uma serva devota e dedicada à Causa, um membro de vários corpos administrativos Bahá'ís, assim como uma das instrutoras mais destacadas da Fé. Sofria muito com o frio extremo de Montreal e sua saúde precária a afastava de casa por dois ou mais meses de cada vez. Ia para Nova Iorque ou para Wilmette para participar de reuniões, ficava doente e não podia voltar para casa por várias semanas. O apego físico e a afinidade espiritual que uniam mãe e filha eram singulares e fortes. Rúhíyyih Khánum, freqüentemente, dizia: "Se os Bahá'ís acreditassem em tais coisas como 'almas gêmeas', minha mãe e eu seríamos assim." Este vínculo, conscientemente nutrido pela própria May Maxwell, é lindamente expresso em uma carta escrita pela mãe para sua filha alguns anos depois:
...por mais freqüentemente que eu tenha sido compelida a deixá-la desde que você era uma pequena criança, por amor a esta grande Causa pela qual estamos unidas, e por mais solitária que você tenha freqüentemente estado, você nunca sofreu sozinha, pois eu sempre estive com você, meus sentimentos por você são os mais profundos do que possa jamais imaginar, e foi através das agonias deste poderoso amor de mãe que a minha maternidade espiritual para com você nasceu.
Por mais que a sua educação intelectual formal tenha sido arbitrária e independente, há claras indicações de que seu treinamento espiritual foi perseguido com rigor e disciplina inflexíveis. Foi um treinamento cuja qualidade fundamental era o amor e cuja principal característica era obediência ao Convênio. Há uma vasta quantidade de correspondência entre May Maxwell e 'Abdu'l-Bahá nas quais podem se encontrar referências à pequena menina, muitas das quais indicam a atenção e amor do Mestre pela criança. Em uma carta especial do sr. W.S. Maxwell para 'Abdu'l-Bahá, datada 12 de março de 1915, ele disse: "A pequena Mary é uma alegria para nós e pensa em Ti muito freqüentemente. Ela O ama com um profundo e verdadeiro amor e compreensão." O treinamento espiritual de Rúhíyyih Khánum tinha claramente começado desde uma tenra idade.
Freqüentemente Rúhíyyih Khánum era perguntada se ela lembrava da visita de três dias de 'Abdu'l-Bahá à sua casa durante o outono de 1912. Ela respondia com sua honestidade característica: "Eu tinha apenas dois anos de idade. Acho que não lembro, mas a vida toda escutei a minha mãe relatando-me em detalhes todos esses preciosos e abençoados dias, portanto os eventos impressos no meu subconsciente são como se fossem minhas próprias memórias." May Maxwell registrou em suas anotações uma referência particularmente tocante da chegada de 'Abdu'l-Bahá à residência Maxwell na noite de 30 de agosto de 1912 e suas palavras naquela ocasião foram:
"...lar", Ele disse, "tudo que nele está pertence a mim"- voltando-se com um olhar inexprimível, continuou - "você é minha - seu esposo e criança. Esse é meu lar." Ele sentia frio e nós ascendemos o fogo. Ele olhou ao redor e perguntou onde estava a criança. Quando dissemos que ela estava dormindo Ele nos disse para não incomodá-la e acrescentou, "deveras escuro, é o lar onde não há nenhuma criança".
Há uma história especialmente comovente sobre esta visita, narrada pelo próprio 'Abdu'l-Bahá a Seus acompanhantes e registrada nas memórias de A.A. Nakhjaváni. 'Abdu'l-Bahá lhes disse:
"Hoje eu estava descansando na chaise longue em meu quarto e a porta se abriu. A pequena menina veio até mim, empurrou as minhas pálpebras para cima com seu dedo pequeno e disse: 'Acorde, 'Abdu'l-Bahá!' Peguei-a nos meus braços e coloquei a sua cabeça no meu peito e nós dois tivemos uma boa soneca."
Quando Rúhíyyih Khánum repetia esta estória em anos posteriores, ela costumava disser que uma vez quando sua mãe se queixou a 'Abdu'l-Bahá de que ela era travessa, o Mestre teria dito: "Deixa-a em paz. Ela é a essência da doçura."
Os anos de Ministério de 'Abdu'l-Bahá estavam por terminar com a Primeira Guerra Mundial, e como um precursor de Sua Vontade e Testamento, Ele enviou as Epístolas do Plano Divino aos Bahá'ís do Ocidente. Foi um legado sagrado para o continente norte-americano e os Bahá'ís celebraram este evento que marcou época com digna solenidade. Nove moças foram escolhidas dentre a comunidade e, ao som de música solene, afastaram as cortinas que cobriam os originais das Epístolas, escritas à mão por 'Abdu'l-Bahá. Mary Maxwell, adornada com um novo vestido cor rosa, e a sua melhor amiga de infância, Elizabeth Coristine de Montreal, tiveram o privilégio de desvelar a primeira e a segunda destas Epístolas para o Canadá, em uma espetacular apresentação ao vivo que ocorreu no Hotel McAlpin em Nova Iorque, no dia 29 de abril de 1919, às 10:00 da manhã. Foi pouco antes do nono aniversário da Mary e do fim da Idade Heróica da Fé de Bahá'u'lláh.
O falecimento de 'Abdu'l-Bahá, em novembro de 1921, devastou toda a comunidade bahá'í, tanto no Oriente e Ocidente, mas o golpe provou ser quase fatal para May Maxwell, a quem foi dada a notícia de forma abrupta e brutal pelo telefone, sem nenhuma precaução. Ela estava tão devastada e abalada de corpo e alma que poderia ter se tornado uma permanente inválida se o sr. Maxwell não tivesse finalmente intervindo. Ele a convenceu de que a única maneira de conseguir deixar sua cadeira de rodas seria que ela fosse visitar os Santuários na Terra Santa e se encontrasse pessoalmente com seu amado Guardião. E ele achou que Mary devia ir com ela. Ela costumava dizer em anos posteriores: "Meu pai estava ocupado com seu trabalho no Chateau Frontenac e minha mãe estava inválida. Não havia ninguém além de mim que podia acompanhá-la e uma criada católica-irlandesa. E eu tinha doze anos de idade."
Apenas dezessete meses depois da ascensão do Mestre e, portanto, quatro meses antes do seu décimo terceiro aniversário, elas içaram velas de Nova Iorque para a Terra Santa no dia 29 de abril de 1923. Esta era a primeira peregrinação de Mary e deixou uma impressão indelével e muitas memórias no seu coração e mente. Em anos posteriores ela relembrou, em uma carta pessoal, como ela tinha ficado comovida pelo "espírito de serviço" que ela descobriu em Haifa:
...uma rainha ou uma mendiga seriam recebidas com a mesma amorosa doçura. Na verdade era esta divina normalidade que realmente aqui me confirmou como uma pequena menina de doze anos.
Era a primeira vez que encontrava o amado Guardião e freqüentemente ela descrevia esse encontro, relembrando-o com doce prazer. Estavam instaladas na antiga Casa de Peregrinos Ocidentais, no final da Rua dos Persas, e sua mãe, que não tinha podido caminhar por mais de um ano, estava acamada, descansando. Como suas noites eram freqüentemente insones e seus nervos sensíveis, Mary havia aprendido desde tenra idade a protegê-la da intrusão e ser vigilante contra distúrbios. Ela disse que estava no corredor da Casa de Peregrinos quando a porta se abriu repentinamente e um jovem entrou com um movimento rápido e hábil, e perguntou se poderia ver a sra. Maxwell. Ela era uma jovem alta para sua idade, totalmente crescida e já fisicamente desenvolvida. Ela disse que se ergueu até a sua altura máxima e olhando diretamente nos olhos dele, perguntou para saber, com grande dignidade e aprumo, quem era que desejava ver à sra. Maxwell. O jovem cavalheiro docilmente respondeu: "Eu sou Shoghi Effendi." Com o que ela se virou de costas e correu até o quarto da sua mãe com mortificada vergonha. Escondendo sua cabeça, como ela costumava dizer - "como um cachorrinho" - debaixo dos travesseiros de sua mãe, ela só conseguia apontar com o dedo para a porta e com voz entrecortada, quando sua mãe lhe perguntou o que estava acontecendo, dizer: "Ele - ele - está ali!" E quando May Maxwell descobriu quem estava atrás da porta, ela disse: "Recomponha-se, Mary! Mexa-se e convide-o a entrar."
Elas estavam longe de Montreal por quase um ano. Antes de partir para a Europa nesse verão, pois estava fatigado pelo peso de suas responsabilidades e precisava recuperar suas energias, Shoghi Effendi aconselhou a sra. Maxwell a passar um tempo no Egito, e assim durante sua ausência do Oriente Médio, ela ficou em Porto Said com sua filha e sua empregada. Após seu retorno, Shoghi Effendi chamou-as de volta à Haifa para outra longa estadia, em decorrência da qual elas tiveram duas peregrinações durante aquele mesmo ano. May voltou para os Estados Unidos em 1924, a tempo de participar da Convenção Nacional Bahá'í. Cheia de alegria e com a saúde restabelecida, ela redobrou esforços no trabalho de ensino e começou a ensinar a administração Bahá'í aos amigos, sobre a qual ela tinha sido cuidadosamente instruída por Shoghi Effendi durante sua peregrinação.
Dois anos depois, Mary acompanhou Juliet Thompson e Daisy Smythe para a Terra Santa. Elas eram duas das amigas mais próximas da sua mãe, e Juliet Thompson, também, havia sido nomeada pelo Mestre como Sua "discípula". Nesta peregrinação, Mary freqüentemente falou sobre seu profundo pesar ao deixar a Folha Mais Sagrada, cuja alta posição ela reconhecera e prezara apesar da sua juventude, e a quem ela amava profundamente apesar da diferença de idades. Durante sua primeira peregrinação, a Folha Mais Sagrada havia pedido para ver a interpretação de Mary da dança egípcia "shimmy", que ela tinha aprendido naquele verão em Porto Said, e tinha rido até as lágrimas rolarem pelo rosto quando a jovem Mary, trajada com a indumentária completa, incluindo kohl (pó cosmético) em volta dos olhos e um tambor debaixo de seu braço, cantou e dançou perante ela na casa do Mestre. Agora, nesta segunda peregrinação, era uma Mary mais madura que entendia com tristeza que esta seria a última vez que veria a Bahíyyih Khánum, a grande dama e heroína da Dispensação Bahá'í, a quem ela descrevia como a essência da humildade e da bondade.
De volta ao Canadá, ela lançou-se avidamente à todos os tipos de atividades de jovens, dentro e fora da administração bahá'í, todas as quais eram tão importantes para ela quanto os estudos que seguia com igual entusiasmo. Daí para frente, ela esteve continuamente envolvida na participação em comitês e em seus esforços para promover a causa da harmonia racial. Pouco antes dos 16 anos de idade, ela se tornou membro do Comitê Executivo da Associação dos Jovens Canadenses para a Paz, servindo-o como tesoureira. Em 30 de novembro de 1928, sua mãe escreveu: "Mary está bem e fazendo um progresso esplêndido em seus estudos, além da Sociedade Fraternidade cujo quadro de membros está em contínua expansão e cuja influência está se tornando uma força poderosa para todas as formas de amizade inter-racial nesta cidade." Como era de se esperar, logo depois que ela completou 21 anos, foi eleita para a Assembléia Espiritual Local de Montreal, assim como para o Comitê de Ensino.
Seu treinamento em oratória e palestras públicas também começou cedo. Ela costumava mencionar um incidente que ocorreu depois que voltou da sua segunda peregrinação, quando tinha quase 16 anos de idade. Numa reunião Bahá'í na escola Green Acre, um dos Bahá'ís antigos muito conhecidos, inesperadamente fez uma pausa na sua palestra e, voltando-se para a jovem Mary Maxwell, pediu-lhe para subir na plataforma e falar aos amigos sobre suas experiências na Terra Santa. Ela disse que ficou chocada e tentou escapar pela porta, mas a impediram antes de conseguir sair. O palestrante lembrou-lhe de que ela tinha tido o privilégio de visitar os santuários sagrados e ouvir o amado Guardião, portanto era seu dever compartilhar essas bênçãos com os outros!
De palestras informais como essa, ela passou a compromissos mais formais que requeriam uma preparação consciente, tanto de pensamento como de espírito. Pouco antes do seu décimo nono aniversário, ela discursou na Convenção Nacional Bahá'í de uma forma que evidentemente tocou os corações e as mentes de muitas pessoas. Numa carta para May Maxwell depois deste evento, Elizabeth Herlitz escreve: "Lamento não ter ouvido sua filha falar na noite de sábado durante a Convenção. Disseram-me que perdi uma das melhores partes de toda a programação bahá'í."
Além disso, cada vez mais ela começou a acompanhar sua mãe em viagens de ensino, durante as quais teve a oportunidade não somente de observar a forma como sua mãe dava palestras Bahá'ís, mas também aprendeu ela mesma a proferi-las no espírito bahá'í. May escreve: "Mary e eu temos estado numa viagem de ensino de três semanas desde a Convenção... Tenho estado completamente submersa no campo de ensino com Mary, onde fizemos nosso primeiro trabalho juntas, com resultados extraordinários..." Foi logo depois desta viagem que ela recebeu sua primeira carta do amado Guardião, datada de 29 de maio e escrita do próprio punho:
Minha querida colaboradora,Estou muito contente em saber das suas crescentes atividades na Causa e irei suplicar do fundo do meu coração, em seu nome, nos Santuários Sagrados para que o Bem-Amado possa graciosamente guiá-la e ajudá-la a prestar inestimáveis serviços à Sua Causa nos dias por vir.
Seu verdadeiro irmão,Um dos mais maravilhosos eventos da sua vida, aos 20 anos de idade, foi uma palestra que ela proferiu na cidade de Nova Iorque na Casa da Reunião de Amigos. Seu tema Misticismo na Religião Bahá'í era difícil e todos os outros conferencistas neste Congresso eram palestrantes treinados e oradores famosos. Um deles, Syud Hossain, era descrito como um "palestrante incomparável sobre o Oriente, paz mundial e relações internacionais" e era o editor do The New Orient. Vários professores universitários bem-conhecidos, bispos e cânones das diferentes igrejas também discursaram no Congresso, e ao final da programação, também haveria uma palestra ministrada pelo arrogante inimigo da Fé Bahá'í, Ahmad Sohrab. Após sua palestra ela recebeu uma ovação em pé, e nesse mesmo dia lhe foi entregue o seguinte telegrama:
MUITO PARABÉNS POR SUA BELÍSSIMA CONSCIENTE E HABIL APRESENTAÇAO DE UM GRANDIOSO E DIFICIL TEMA ESTOU FELIZ E ORGULHOSO DE VOCE. SYUD HOSSAIN
Também, começou a escrever cedo. Ela escreveu livros, peças de teatro e poesias e a sua maior esperança era de um dia tornar-se uma escritora. Ela se mantinha ocupada com seus esforços literários iniciais, escrevendo artigos com títulos tais como: Existe lugar para as emoções hoje em dia? Ela estava desenvolvendo essa diversidade e leque de habilidades que serviriam para fazer dela um instrumento perfeito de serviço nas mãos de seu amado Guardião, que observava seu progresso com grande interesse.
Quando uma cópia da tradução da Narrativa de Nabíl, feita pelo amado Guardião, Os Rompedores da Alvorada, chegou à família Maxwell, eles escreveram uma carta de agradecimento a Shoghi Effendi, e em resposta, ele encorajou Mary a estudar este livro e palestrar sobre ele. O artigo que ela escreveu intitulado O Reflorescimento do Romance Histórico em Nabil, que ele mais tarde incluiu no The Bahá'í World, Volume V (1932-34), foi certamente resultado do encorajamento direto do Guardião, e o entusiasmo ardente e jovem que esse artigo revela deve ter formado a base de suas inesquecíveis palestras sobre a Era Heróica da Causa. Estas foram inicialmente proferidas em Montreal e mais tarde em Green Acre, continuando em Louhelen, e finalmente em Esslingen na Alemanha.
Uma carta de Shoghi Effendi para May Maxwell, nesta época, mostra quão perto ele seguia o desenvolvimento e treinamento espiritual desta extraordinária jovem. Era como se ele próprio tivesse se incumbido de sua educação espiritual, guiando suas escolhas e cuidadosamente direcionando suas atenções para que ela não dissipasse seu potencial espiritual:
Sinto que ela deveria, ao mesmo tempo que prossegue em seus estudos, devotar suas energias a um estudo intensivo da Causa e um vigoroso serviço à mesma, da qual eu espero e confio que ela virá a se tornar um expoente brilhante e universalmente honrado. Tenho certeza que, longe de se sentir desapontada e magoada por minha sugestão, ela redobrará suas atividades e esforços para aproximar-se e atingir o alto padrão destinado a ela pelo bem-amado Mestre. Seu plano de viajar com ela pelo Canadá em serviço à Causa é esplêndido e altamente oportuno. Atenciosamente assegure a ela e seu querido pai dos meus melhores desejos e orações por sua felicidade, bem-estar e êxito.
Seu verdadeiro e afetuoso irmão,Em maio de 1933, Mary ficou várias semanas em Washington, D.C., primeiro com sua mãe e depois sozinha, ensinando a Fé e concentrando seus esforços em procurar maneiras para atrair as duas raças opostas, pois a causa da unidade racial lhe era muito querida, e os direitos e responsabilidades de ambas as raças era um tema que lhe tocou profundamente ao longo da sua vida. Em 20 de novembro daquele ano, ela falou na Igreja das Pessoas de Cor em Montreal. Fred Schopflocher escreveu para May sobre este evento, dizendo:
Todo mundo ficou fascinado com ela e como essa menina estava linda, simplesmente encantadora, tal mãe tal filha! Com uma blusa de puro branco, ela se destacava tal como uma lua prateada numa noite escura, muito escura, e seu pequeno chapéu, simbolicamente verde, era como um farol de esperança, fé e segurança. Eu fiquei verdadeiramente orgulhoso desta menina, minha querida pequena Mary, e você sabe May, que eu não me entusiasmo facilmente, portanto existe convicção na verdade atrás disso...
Enfim, foi um evento maravilhoso. O sr. Este estava no melhor de sua forma... e praticamente se declarou Bahá'í do púlpito, junto com toda a sua congregação.
O reverendo Este, pároco desta Igreja, permaneceu durante toda sua vida um amigo de Rúhíyyih Khánum, embora nunca de fato, tenha se tornado um bahá'í. Em 1970, durante minha primeira visita ao continente americano, encontrei-o em Montreal, já idoso e aposentado. Porém, apesar de sua fraqueza física, ele veio ao lar dos Maxwell, agora um santuário, especialmente para ver Rúhíyyih Khánum e, estava claro que um amor e amizade profundos existiam entre eles desde aquela ocasião em 1934.
Em contraste a seus dedicados esforços para promover os princípios Bahá'ís entre as massas, Mary também compareceu a solenidades oficiais, quando estava com vinte e poucos anos, junto a seu pai em Montreal, tendo encontrado o governador-geral do Canadá em eventos tais como a 54ª Exibição da Academia Real Canadense. Era esse equilíbrio entre alto e baixo, entre suas obrigações para com a comunidade Bahá'í em especial e a sociedade em geral, que viria a ser de grande utilidade para ela em anos futuros. Ela sempre demonstrou a capacidade de associar-se tanto a autoridades quanto ao povo humilde, com igual facilidade. Seu apoio para com o trabalho Bahá'í de ensino a nível local, assim como para questões sociais a nível internacional, era igualmente entusiástico durante toda a sua vida.
Rúhíyyih Khánum costumava dizer que, quando era jovem, queria aprender espanhol. Entretanto, em 1935, uma guerra civil ameaçou seus planos de viajar à Espanha para este fim e, ao invés disso, ela foi persuadida a acompanhar seus primos Jeanne e Randolph Bolles à Alemanha. Sua tia, que era alemã, os acompanhou e eles zarparam para a Europa no dia 10 de julho. Em agosto daquele ano, May também juntou-se a eles e, durante o seguinte um ano e meio, enquanto May passava a maior parte do tempo ensinando e ajudando os amigos na França e Bélgica, Mary realizava trabalho similar ao de sua mãe na Alemanha.
Ela ficou tão encantada pela Alemanha durante esta época que pediu a Shoghi Effendi para permanecer naquele país ao invés de continuar a viajar com sua mãe. May escreve que Mary foi "bastante encorajada pelo Guardião a concentrar seus esforços onde seu coração estivesse". Ela estava, nas palavras de sua mãe: "No meio de um povo que parece tão semelhante a ela que - conforme acredito que já lhe escrevi - seu temperamento parece ter se transformado radicalmente sob esta nova e profunda influência." Um amigo, de longa data, de Montreal, S.H. Abramson, visitando a Europa, escreveu a May que "Mary está apaixonada pela Alemanha e tornou-se quase 100% alemã". Ela aprendeu a língua com tamanha fluência e falava com um sotaque tão perfeito que muitos julgavam que fosse alemã. Ela costumava dizer que quando viajava ao norte da Alemanha, as pessoas perguntavam se ela era do sul, e quando estava no sul, pensavam que ela era do norte!
Ter vivido na Alemanha durante o período mais crítico do século vinte, com sua atenção fixada unicamente no trabalho da Causa, seus esforços dedicados inteiramente ao desenvolvimento de suas instituições e, tendo passado seu tempo principalmente na companhia de Bahá'ís que posteriormente viriam a sofrer terrivelmente sob o regime de Hitler, é uma clara indicação do caráter desta mulher. Alta e bonita, sob uma coroa de cabelo castanho claro e vestida em um "dirndl",* ela atravessou incólume o fogo, enquanto os soldados marchavam e os estandartes tornavam cada vez mais pesado o ambiente à sua volta. Quão forte a sua obediência ao Guardião durante esse período, e o quanto esta obediência seguramente protegeu-a nessa época terrível. Pois, ela recebeu encorajamento e guia a cada passo dado. Além disso, tanto ela como sua mãe receberam um caloroso convite para vir à Terra Santa ao final da sua prolongada estadia na Europa. A secretária de Shoghi Effendi escreveu para May Maxwell, em 21 de janeiro de 1936, que:
*Roupa típica de camponesa, que é composta de saia, blusa, corpete e um pequeno avental. N.E.
O Guardião ficou bastante animado e contente ao saber do progresso e sucesso das atividades de sua querida filha no campo do ensino. Ele deseja que você a cumprimente calorosamente pelo sucesso atingido por seu trabalho em Munique. Ele espera que seu "primeiro filho alemão", o sr. Alfonse Giesel, como resultado deste contato, se torne um dos principais e mais ativos servos da Causa na Alemanha.
No pós-escrito abaixo o Guardião escreveu de próprio punho:
Ternamente amada colaboradora,Desejo pessoalmente assegurar-lhe das mais calorosas boas-vindas. Seus distintos serviços, tão lealmente, corajosamente e devotadamente oferecidos, tanto no continente americano como no europeu, dão-lhe plenos direitos de visitar os Santuários Sagrados e derivar nova inspiração da fonte de Sua graça inexaurível. Estou profundamente grato por tudo que você, Mary e a sra. Bolles conseguiram e, pelo espírito que as anima em Seu serviço. O Bem-Amado está plenamente satisfeito com as inúmeras evidências de sua devoção exemplar à Sua Causa e da perseverança no caminho do serviço.
Carinhosamente,Uma semana mais tarde, a secretária do Guardião endereçou uma carta para a própria Mary Maxwell, em nome de Shoghi Effendi. Sua guia deve ter se assemelhado a um farol brilhante diante dela em meio a uma Europa obscurecida, em que o espírito se extinguia cada vez mais:
O Guardião está realmente muito satisfeito em saber que você anseia visitar os Santuários Sagrados, após tantos anos. Portanto, ele deseja que eu me apresse em oferecer-lhe as mais calorosas boas-vindas. Acabamos de saber que sua querida mãe, que encontra-se agora em Paris, também expressou o desejo de visitar Haifa, e o Guardião ofereceu a ela também um cordial convite.
Antes de sua vinda a Haifa, Shoghi Effendi lhe aconselharia a visitar os centros na Alemanha, e se possível, estender sua viagem à Áustria e aos Bálcãs, onde agora temos uma corrente de comunidades ativas e prósperas que unem as partes ocidental e oriental da Europa. Ele inclusive sugeriria que você siga esta rota quando vier a Haifa, pois isto seria de grande interesse para você, e um valioso encorajamento aos amigos nesses centros novos e algo isolados.
Shoghi Effendi acrescentou, num pós-escrito:Desejo assegurar-lhe pessoalmente de uma calorosa boas-vindas para visitar a Terra Santa e repousar sua fronte no Limiar Sagrado após ter oferecido valiosos serviços à Fé tanto na América como na Europa. Para aqueles a quem você me pediu orações em suas cartas, suplicarei as bênçãos de Bahá'u'lláh. Fique segura.
Seu irmão verdadeiro,Mary Maxwell cumpriu as injunções do amado Guardião. Ela viajou para todas as comunidades da Alemanha, encontrou-se com cada crente isolado, grupo ou Assembléia, de norte a sul e de leste a oeste daquele país. Quando terminou de cumprir esta tarefa, um ano havia se passado e os rugidos da guerra agora estavam se fazendo ouvir claramente. Agora já não era possível viajar aos Bálcãs ou à Áustria, e ela e sua mãe foram instadas por Shoghi Effendi a vir diretamente para a Terra Santa. Foi um momento decisivo.
Quando mãe e filha registraram seus nomes no livro dos peregrinos em Haifa no dia 12 de janeiro de 1937, começou um novo capítulo na vida de Mary Maxwell. Seu treinamento e educação espiritual estavam concluídos. Ela passara o teste e provara sua capacidade. Shoghi Effendi disse a May Maxwell nesta peregrinação que a sua filha agora tinha a base espiritual sobre a qual ela poderia ser "moldada e disciplinada". Segundo as notas de May, ele disse:
Ela possui uma percepção clara e julgamento bem fundado. Seus julgamentos e atitudes são corretos - bem fundados - conforme lhe disse com relação à sua atitude para com o governo na Alemanha. Você deve estar muito feliz - contente e assegurada. Lembre-se de tudo que escrevi a você e Mary sobre o futuro dela - tudo isso será cumprido - e atingido. Ela tem muitos anos pela frente. Você será muito feliz - muito orgulhosa dela - assim como o pai dela.
IIA peregrinação era uma experiência única para todo peregrino. Sentar-se à mesa de jantar com o "Sinal de Deus na terra", poder fazer-lhe perguntas e receber suas respostas, estas eram verdadeiramente dádivas sem preço. Para May e Mary Maxwell a peregrinação deve ter tido a sensação de um privilégio inesperado, um vislumbre da graça de Deus após dois anos numa Europa enegrecida por guerras e rumores de guerra. As suas notas de peregrinos estavam entre as mais amplamente circuladas naquela época. Rúhíyyih Khánum costumava dizer que Shoghi Effendi lhe permitia tomar estas notas na sua presença e corrigi-las na noite seguinte, pois mãe e filha revisavam suas notas toda noite, fazendo novas perguntas para Shoghi Effendi se elas tivessem quaisquer dúvidas, para que nenhum erro fosse cometido. As notas de peregrino das Maxwell são volumosas; o Volume II sozinho tem 37 páginas e contém uma nota de Rúhíyyih Khánum: "A classificação sob cabeçalhos foi feita por mim para poder agrupar os assuntos referidos com maior freqüência. R.R."
Foi ao final da sua peregrinação que, um dia, a mãe de Shoghi Effendi pediu para falar com May Maxwell e lhe disse sobre a proposta de casamento de Shoghi Effendi com sua filha. Mary só ficou sabendo do assunto algumas semanas depois. Relembrando aqueles dias, Rúhíyyih Khánum costumava dizer, com um brilho nos olhos, que o amado Guardião incumbiu-se por ensinar-lhe a caligrafia persa, após o jantar, no transcurso daquelas noites inesquecíveis. Ele lhe deu um conjunto de canetas de junco, tinta, e papéis especiais de cor de amora, e lhe ensinou a arte da escrita persa. Ele também lhe deu um conjunto de cartões para copiar, nas quais o grande calígrafo, Mishkín-Qalam, tinha escrito As Palavras Ocultas, de Bahá'u'lláh, em três estilos de caligrafia diferentes. Nos nossos primeiros anos em Haifa, ela mostrou para mim e meu marido seus livros de notas nos quais o próprio Shoghi Effendi havia escrito uma linha com sua primorosa caligrafia para que ela copiasse embaixo. Ela nos disse: "Nunca conseguia copiar fielmente sua elegante caligrafia, e o comprimento da minha frase sempre era no mínimo duas vezes maior que a dele." E logo ela acrescentava, com um sorriso encantador: "Acho que Shoghi Effendi queria uma desculpa para ficar mais tempo comigo e para me conhecer melhor!"
Era aquela época do ano quando as árvores de mimosa estavam totalmente floridas, e, freqüentemente, quando ela via suas abundantes floradas douradas no início da primavera, Rúhíyyih Khánum lembrava e falava do dia em que a irmã mais nova de Shoghi Effendi veio até ela e disse: "Shoghi Effendi quer vê-la no quarto dele." Ela não tinha noção alguma do que lhe esperava, mas ao sair da Casa de Peregrinos ela quebrou um pequeno ramo da flor de mimosa e a levou com ela para a presença de Shoghi Effendi, oferecendo-a ao seu bem-amado. Esse foi o dia em que ele lhe disse do seu desejo de se casar com ela. Rúhíyyih Khánum costumava dizer: "Eu fiquei sozinha com Shoghi Effendi apenas 15 minutos antes do nosso casamento."
O casamento foi realizado no dia 24 de março de 1937 em Haifa. Foi nesta ocasião que o amado Guardião lhe deu o nome de Rúhíyyih Khánum. May Maxwell, numa carta para sua querida amiga Leonora Holsapple (Armstrong), datada de 28 de setembro de 1938 nos dá um vislumbre deste evento singular:
Como era de se esperar, o casamento do Guardião foi absolutamente simples, destituído de todo adorno terreno, entretanto perfeito na sua beleza e simplicidade. Algumas semanas depois que Rúhíyyih Khánum e eu chegamos em Haifa, o Guardião, com a maior gentileza, começou a ensina-la persa e a dar-lhe atenção especial para seu treinamento e educação geral. ... Mais tarde, através de conversas com a querida mãe dele, que falou comigo confidencialmente a pedido dele (no legítimo estilo oriental!) fui gradualmente informada, mas naquela época minha filha não sabia nada a respeito, até o dia em que, uma ou duas semanas depois, quando a irmã mais nova do Guardião a levou até a sua presença. O que aconteceu naqueles momentos só Deus sabe, mas Ele a amparou e sustentou durante aquilo que talvez tenha sido o choque mais esmagador da sua vida, por sua profunda reverência, quase chegando à adoração pelo Guardião, como o Sinal de Deus nesta terra. Era praticamente demasiado para um ser humano suportar. No dia 24 de março o Guardião levou Rúhíyyih Khánum em seu carro para o túmulo de Bahá'u'lláh onde ele entoou duas orações no santuário interno e disse a ela que aquela era a realidade do casamento. Estavam sós. Quando regressaram, a mãe do Guardião levou-os sozinhos para o quarto da Folha Mais Sagrada. ... Então todas as famílias os cumprimentaram e abraçaram, as certidões de casamento foram assinadas e, depois, Shoghi Effendi e a sua jovem esposa ocidental vieram para a Casa de Peregrinos e foi então a nossa vez de abraçá-los e sentir tudo o que era possível sentir num momento tão intenso. Não há dúvida de que, para nós, era como se fosse um sonho, mais do que uma realidade. O Guardião tem demonstrado a ela um amor e bondade, uma compreensão e compaixão através das quais ela está se desenvolvendo com constância, e embora os testes sejam severos, Leonora, acima de qualquer compreensão nossa, ela está progressivamente atingindo, ainda através da proteção divina, aquela posição que Deus ordenou para ela.
Quando Rúhíyyih Khánum falava sobre seu casamento em determinadas ocasiões, ela costumava dizer que, conforme também escrito no A Pérola Inestimável, que no dia de seu casamento, quando ela foi a Bahjí com Shoghi Effendi, "eu lembro que estava trajada, exceto por uma blusa de renda branca, inteiramente de preto para aquela ocasião única, e era um típico exemplo de como as mulheres orientais se vestiam para sair às ruas naqueles dias, sendo o costume trajar preto". O anel, que era um simples anel Bahá'í em forma de coração, lhe foi dado no dia que Shoghi Effendi a propôs em casamento. Ele tinha pedido a ela, então, que o usasse numa corrente no pescoço, e no dia do seu casamento, no Santuário de Bahá'u'lláh, ele o pegou dela, e o colocou, ele próprio, no dedo dela. Era um anel que havia sido dado a Shoghi Effendi pela Folha Mais Sagrada, e Rúhíyyih Khánum mais tarde mandou fazer um anel idêntico para o amado Guardião. Ambos foram enterrados com seus anéis em seus dedos. Depois da recitação do voto de casamento que foi realizado no quarto da Folha Mais Sagrada, a mãe de Shoghi Effendi colocou a mão de Rúhíyyih Khánum na mão do seu filho, conforme a antiga tradição persa do "dast be dast".* As testemunhas foram o pai e a mãe do Guardião.
*"mão na mão" = um para o outro. N.E.Rúhíyyih Khánum freqüentemente comentava que aquela noite com seus pais presentes na mesa de jantar, não foi diferente de todas as outras noites. Foi somente depois do jantar quando Shoghi Effendi se levantou para sair, que, como ela costumava dizer: "Eu o segui pela rua até a casa de 'Abdu'l-Bahá e subimos a escada até seu apartamento." Sua mala já tinha sido levada por Fujita, um Bahá'í japonês que servia a Shoghi Effendi desde aqueles dias.
As notícias deste abençoado casamento eletrizaram o mundo Bahá'í, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Cabogramas preparados pelo amado Guardião e assinados por sua mãe foram enviados às Assembléias Espirituais Nacionais do Irã e dos Estados Unidos e Canadá. O cabograma para o Ocidente datado de 27 de março de 1937 segue abaixo:
ANUNCIEM ASSEMBLÉIAS CELEBRAÇÃO CASAMENTO AMADO GUARDIÃO PONTO INESTIMÁVEL HONRA CONFERIDA SOBRE A SERVA DE Bahá'u'lláh RUHIYYIH KHÁNUM SRTA MARY MAXWELL PONTO UNIÃO DO ORIENTE E OCIDENTE PROCLAMADA PELA FE Bahá'í CIMENTADA. (ASSINADA) ZIAIYYIH, MAE DO GUARDIÃO
Mais tarde, respondendo à mensagem de congratulações da Assembléia Espiritual Nacional acima, Shoghi Effendi enviou por cabograma:
PROFUNDAMENTE COMOVENTE SUA MENSAGEM. INSTITUIÇÃO GUARDIANIA PRINCIPAL PEDRA ANGULAR ORDEM ADMINISTRATIVA CAUSA Bahá'u'lláh JÁ ENOBRECIDA ATRAVES SUA CONEXAO ORGANICA COM PESSOAS DOS FUNDADORES GEMEOS FE Bahá'í AGORA REFORÇADA ATRAVES DIRETA ASSOCIACAO COM OCIDENTE E PARTICULAR-MENTE COM CRENTES AMERICANOS CUJO DESTINO ESPIRITUAL É DE ANUNCIAR ORDEM MUNDIAL DE Bahá'u'lláh. POR MINHA PARTE DESEJO PARABENIZAR COMUNIDADE CRENTES AMERICANOS NA AQUISIÇÃO LAÇO UNINDO-OS FUNDAMENTAL-MENTE A TAO PODEROSO ORGAO DA SUA FE.
Até o jornal de Montreal, "The Gazette", anunciou o casamento:
Anuncia-se o casamento da srta. Mary Maxwell, filha única do sr. e sra. William Sutherland Maxwell, de Montreal, cujo casamento com Shoghi Effendi Rabbani, Guardião da Fé Bahá'í, foi realizado em Haifa, Palestina, no sábado passado. O sr. e sra. Maxwell estiveram presentes durante a cerimônia. A noiva e o noivo morarão em Haifa, que é o centro desta Fé. O noivo é o neto de Sir Abdu'l-Bahá Abbas e bisneto de Baha'ollah, fundador deste movimento e formulador de seus princípios.
Eu mesma me lembro, quando criança em Teerã, como todo mundo comemorou, como eram generosos os banquetes que foram espalhados por toda a comunidade Bahá'í em celebração deste maravilhoso evento. Era como um conto de fadas tornando-se realidade!
Mas a realidade para Rúhíyyih Khánum deve ter sido bem diferente; o período de adaptação que se seguiu foi de um período de treinamento para ela que não deve ter sido fácil. Já de início, as circunstâncias, por mais favoráveis que fossem, não conduziam a tranqüilidade de espírito. Estar separada por uma distância tão grande de seus amados pais e se despedir de sua vida familiar em Montreal, ser imergida num lar oriental junto com todos os parentes do seu esposo sob um mesmo teto, deve ter sido muito difícil para esta jovem criada com um grau de liberdade incomum até mesmo no Ocidente daquela época. Apesar da sua natural vivacidade de temperamento e natureza otimista, ela deve ter sentido imensa falta e saudades de seus pais durante estes primeiros anos. Numa carta a eles, ela escreve:
Seu amor e o senso de sua força e coragem me sustentam de uma forma que vocês não podem imaginar... tenho aprendido a ser feliz em um momento - navegar nas ondas. Quando o clima está calmo, olho ao meu redor e aprecio tudo. Quando a onda chega, atravesso-a da melhor forma que posso e saio do outro lado!
Foi especialmente difícil no início quando ela não sabia o idioma persa, pois embora os membros da família de 'Abdu'l-Bahá soubessem falar inglês, entre eles se comunicavam em persa. Era natural que quando fizessem comentários ou compartilhassem piadas que ela não entendia, ela se sentia excluída. Não fosse por seu amado, Rúhíyyih Khánum bem poderia ter estado desolada.
Mas havia testes maiores que a mera solidão, provações muito maiores que o isolamento cultural aguardavam esta noiva jovem, ingênua e franca. Rúhíyyih Khánum era por natureza livre e sem desconfianças. Ela havia entrado neste lar com um senso de amor profundo, de fato, quase de veneração, por todos aqueles que eram parentes de Shoghi Effendi. Deve ter sido um forte golpe, tão cedo após o seu casamento com o Guardião, sentir pela primeira vez os ventos da malevolência soprando dos membros da família para ele, de reconhecer os sinais de dissensão nutridos dentro do seio da família dele para com o Centro do Convênio. Ela costumava falar daqueles dias com profundo pesar e dor. Muitas vezes ouvíamos ela dize: "Quando eu via as árvores de carvalho caírem uma após a outra, chorava e rezava pela minha própria alma - uma simples folha de grama." Pois um a um da família, nesses primeiros anos do seu casamento, se afastou da fidelidade; os ramos de Afnán e Aghsán separaram-se da poderosa árvore do Convênio. Todos saíram, um por um, até que ela ficou sozinha naquela casa ao lado do seu amado. "Shoghi Effendi me segurou fortemente em seus braços protetores", costumava dizer.
Ela nos disse que durante aquele primeiro ano de seu casamento ela sofria tanto que um dia, parada na sacada defronte a seu quarto e em profunda angústia, disse a si mesma: "Eu cheguei ao fim da linha." Sua imaginação vívida criou uma imagem diante de si mesma com uma corda na mão - ela no fim da corda! Seu senso de humor e mente lógica lembraram-na que: "Bem, você está no fim de sua corda, você não pode descer mais, mas pode escalá-la!" Desde aí, ela disse, ela nunca mais chegou ao final de sua corda, pois podia sempre escalar de novo para o alto.
Ela se tornou o escudo e principal apoio do Guardião naqueles dias tenebrosos de convulsão espiritual na família de 'Abdu'l-Bahá. Houve um tempo em que Shoghi Effendi não podia confiar em nenhum membro da sua família para estar a sós com os peregrinos persas, por receio do impacto negativo das suas venenosas indiretas e inferências. Ele pedia a Rúhíyyih Khánum para que descesse e se sentasse com eles. Ela nos disse que uma vez ficara doente com icterícia, estava com febre e estava amarela como um canário, mas apesar disto Shoghi Effendi enviou-a para se sentar junto com as mulheres persas em peregrinação. Ela não podia retornar para a cama até que a última delas tivesse finalmente ido embora. Ele era igualmente rígido sobre o comparecimento rigoroso em todas as celebrações de Dias Sagrados e dizia a Rúhíyyih Khánum que se ela se sentisse indisposta, ficaria curada ao participar destas reuniões, as quais eram em homenagem às Figuras Centrais da Fé. Foi também durante este período turbulento que Shoghi Effendi um dia interrompeu-a abruptamente e, apontando para a mão dela, disse: "Seu destino está na palma da sua própria mão." Isto foi um grande choque para ela e a fez perceber que ela não estava imune às suas próprias provações espirituais. "Quando Shoghi Effendi se casou comigo", costumava dizer, "me senti segura e confortável e pensei que não teria mais nada com que me preocupar, meu destino estava em suas mãos. Mas quando me disse aquilo, alí estava o destino, novamente na minha própria mão." Ela sempre nos fazia rir quando terminava esta história séria.
Sua firmeza no Convênio, uma manifestação da sua profunda fé, foi sua maior proteção nos primeiros anos de casamento. Foi uma armadura que preservou seu espírito por toda a sua longa vida. Durante o ano que se seguiu ao casamento de Rúhíyyih Khánum, May Maxwell escreveu várias cartas para sua jovem amiga Marion Holley (Hofman) citando as palavras da sua filha:
...ela diz, "Estou convencida que a maior dádiva de um crente é fé; maior que a inteligência, maior que o caráter, pois pela fé nos afundamos ou nadamos, vivemos ou morremos, e é praticamente a única causa da nossa vitória final e vida eterna..." e "...ela acrescenta que aprendeu o quão imperfeito é seu raciocínio e assim ela baseia tudo na Fé. Fé é a diretriz da sua vida, o amparo e apoio da sua existência, a base do seu caráter renascido.
Talvez a forma como extravasou o coração anos depois, em seu poema Isto é Fé, escrito no dia 4 de abril de 1954, exemplifica a profundidade de sua compreensão sobre este assunto.
ISTO É FÉRúhíyyih Khánum fez freqüentes alusões, anos mais tarde, ao fato de que uma das razões pelas quais ela tinha sido escolhida para ser a esposa de Shoghi Effendi era por ser filha de May Maxwell. Freqüentemente ouvimos ela insistir que ele próprio havia dito isso a ela muitas vezes. De fato, as próprias palavras dele enfatizam este mesmo tema e salientam-na como uma das razões da sua fé inabalável:
Ela está imbuída com o espírito bahá'í", citando o Guardião nas notas manuscritas de May Maxwell, "não está confusa nem emaranhada em outros assuntos - ou temas alheios à Causa... Isto se deve à sua influência - você não percebe até que ponto a Mary reflete seu espírito. Ela é completamente devotada à Fé - extremamente apegada.
Numa carta a sua mãe, um ano após seu casamento, Rúhíyyih Khánum escreveu: "Se alguém me perguntasse qual era meu tema na vida eu diria: 'Shoghi Effendi'." Fica claro aqui que ela havia se entregue, de corpo e alma, a seu destino e a sua tarefa requeria uma disciplina rigorosa.
Embora a fé na qual se baseava houvesse sido instilada dentro dela desde o seu nascimento, e o amor com o qual se inspirou se houvesse desenvolvido e evoluído desde sua meninice, tais hábitos de aprendizado não pareciam, à primeira vista, de haver preparado-a para tal destino. Porém, sob a rígida tutela de Shoghi Effendi, ela assumiu a responsabilidade de se dedicar conscienciosamente aos estudos. Com que orgulho May Maxwell deve ter lido a nota escrita pelo próprio punho de Shoghi Effendi, na carta em que sua filha mandou a ela, datada de 25 de fevereiro de 1939: "Mary está muito bem, e extremamente ocupada no momento em seus estudos da Bíblia, o qual eu considero uma fundação necessária para seu trabalho futuro."
Rúhíyyih Khánum costumava contar uma alegre história sobre este assunto de seus estudos bíblicos. Durante uma conversa com Shoghi Effendi, um dia ela havia dito: "Nunca li a Bíblia", ao que Shoghi Effendi respondeu com surpresa, "Então já está mais do que na hora de fazê-lo!" E então ele lhe deu rigorosas instruções para estudá-la. Ela terminou a história dizendo: "Depois disso, não somente estudei a Bíblia diligentemente, mas também comprei uma cópia do Alcorão e o li inteirinho antes que ele descobrisse que eu também não havia lido o Alcorão!" Shoghi Effendi, de fato, não era somente seu tema de vida, mas também a sua educação. Embora ela fosse uma autodidata por natureza e preferisse ensinar-se a si mesma ao invés de receber instrução - um hábito que ela aplicaria a muitos assuntos, anos mais tarde - ele era de fato seu principal professor. Nesta época ela estava também seriamente empenhada em aprender o idioma persa. Ela costumava dizer que Shoghi Effendi lhe teria uma vez dito: "Eu sou testemunha que toda a língua persa que você aprendeu, você o fez sozinha, sem qualquer ajuda."
Um dos mais importantes serviços realizados por Rúhíyyih Khánum, durante esses momentosos 20 anos ao lado do amado Guardião, era ser sua secretária. Ela assumiu esta tarefa quase imediatamente após o seu casamento e se tornou sua principal secretária em inglês de 1941 em diante. Aquela que talvez tenha sido a primeira carta que ela escreveu em nome de Shoghi Effendi foi dirigida à sua mãe e inclui duas notas de rodapé de próprio punho de Shoghi Effendi. Caracteristicamente, estes servem para realçar o vínculo de unidade que os membros desta família compartilharam em seus compromissos com a Causa:
"O vínculo que sempre lhe uniu a mim foi agora poderosamente reforçado e estou certo de que os serviços que você poderá prestar como resultado direto deste novo laço que nos une, servirão para me aproximar mais de ti e me permitirão ajudá-la mais efetivamente através das minhas orações."
O segundo pós-escrito declara:"Favor assegurar o sr. Maxwell do meu grande amor e afeto por ele. Tenho grandes esperanças que ele, em cooperação com você, intensificará o trabalho de ensino no Canadá e assim preparará o caminho para quaisquer serviços internacionais que ele possa prestar no futuro."
Em sua segunda carta escrita em nome de Shoghi Effendi à sua mãe, Shoghi Effendi anexa o seguinte:
"Mary está com boa saúde e está fazendo grande progresso em sua vida espiritual e está cultivando aquelas virtudes e traços de caráter que serão de imenso valor em sua tarefa de alto grau e responsabilidade a qual ela está se esforçando arduamente por realizar."
A reciprocidade entre Rúhíyyih Khánum e seus pais foi mantida apesar das dificuldades de distância e separação. Seguindo as orientações estabelecidas por Shoghi Effendi, ela refletia a idéia de que o serviço à Causa realizado por qualquer um deles era uma benção compartilhada por todos e com conseqüências diretas para cada um. Numa das primeiras cartas a seu pai, respondendo às notícias sobre uma indisposição por parte dele, ela enfatiza a intimidade entre eles com jocosidade característica que encobre suas ansiedades e sofrimentos íntimos:
Portanto, papai, você tem praticamente uma obrigação sagrada de fazer tudo para se manter bem e assim, através do serviço à Causa, ajudar-me da melhor forma que puder.
Ela adorava sua mãe e sempre desejara vê-la de novo. Dois anos após o seu casamento, em dezembro de 1939, May Maxwell repete este tema de intimidade que é sustentado através do serviço à Causa, apesar da separação física:
...sua sublime fé e coragem, seu profundo discernimento sobre o verdadeiro significado da vida e os eternos frutos da dor e tristeza humanas, claramente revelam não somente a intensidade e força do seu caráter, mas também ... que ela caminha na senda da luz - que ela é uma dessas raras pessoas que verdadeiramente atingiram seu alto destino. Não somente através do meu amor apaixonado por esta grandiosa Fé Bahá'í, mas através do meu amor por ela, desejando tornar-me mais digna dela, é que decidi ir para América do Sul para ensinar.
E foi assim, que May Maxwell decidiu fazer o seu sacrifício supremo. Ela saiu em viagem de ensino a fim de se tornar mais digna de sua amada filha, de quem sentia tanta saudade. Ela estava com setenta anos de idade, um coração enfraquecido e com péssima saúde. Ela chegou em Buenos Aires no final de fevereiro acompanhada pela sua jovem sobrinha, Jeanne Bolles, e no dia seguinte, a 1º de março de 1940, ela faleceu de um ataque cardíaco fulminante.
A notícia devastadora do falecimento de May Maxwell na Argentina foi um choque terrível para Rúhíyyih Khánum. Ela freqüentemente repetia a história de como havia recebido esta triste notícia através do Guardião. Quatro cabogramas haviam chegado naquele dia e ela os levou para Shoghi Effendi em seu escritório. Ele abriu cada um e então levantou o olhar para Rúhíyyih Khánum - uma mistura de choque, amor e compaixão estampou em seu rosto. Ela disse que o olhar a assustou, e ela começou a se afastar de Shoghi Effendi até chegar à parede. Ela falou que o medo gerado nela por aquele olhar foi tão profundo que ela queria se afundar na parede. Shoghi Effendi foi até ela, segurou-a nos braços e deu-lhe a notícia com grande ternura. Ele disse: "Agora serei a sua mãe." Então, ele falou do alto grau de May Maxwell no Reino de Abhá, da sua alegria em finalmente haver alcançado o desejo do seu coração - a proximidade ao seu amado Senhor e Mestre - 'Abdu'l-Bahá. Então, ternamente, para dissipar a sua trêmula aflição, ele começou a falar com Amatu'l-Bahá num tom mais leve, descrevendo as atividades de sua mãe no próximo mundo, aonde ela ia e o que fazia naquela Companhia sublime. Em primeiro lugar, é claro, ela teria sido imediatamente conduzida até a presença de Bahá'u'lláh, assegurou ele. E logo na chegada, ela naturalmente pediria-Lhe permissão para contar a respeito de sua preciosa filha. Mas ela falaria tanto, que Bahá'u'lláh, finalmente, Se cansaria e a passaria adiante para 'Abdu'l-Bahá. Com Ele, novamente, ela só falaria da sua bela filha, até que eventualmente, exausto, 'Abdu'l-Bahá a passaria adiante até a Folha Mais Sagrada. E lá estaria ela até agora, disse Shoghi Effendi rindo, lá estaria ela falando sobre sua amada filha, fazendo parar cada membro do Concurso que passasse com a frase: "Deixe-me contar sobre a minha filha!" Quando ele havia chegado neste ponto da sua narrativa, Rúhíyyih Khánum estava rindo e chorando ao mesmo tempo. E assim, com infinita compaixão e paciência, ele a consolou.
Ela foi depois ao Santuário de Bahá'u'lláh e ficou um tempo sozinha naquele Lugar sagrado, recitando em voz alta a oração especial para os mortos. Ela amava esta oração e descreveu seu efeito com as seguintes palavras:
Enquanto repetia os versos, dezenove vezes cada, cada repetição parecia o ímpeto de uma onda que me envolvia e lavava o fogo em meu coração e alma, até que finalmente encontrei paz e conforto.
Os seguintes três cabogramas, o primeiro de Shoghi Effendi para o sr. Maxwell e os últimos dois do Guardião e Rúhíyyih Khánum para as Assembléias Espirituais Nacionais dos Estados Unidos e do Canadá, comunicam o significado do grau de May Maxwell, e o amoroso e generoso gesto de Shoghi Effendi convidando seu consternado esposo para finalmente ir morar perto da sua preciosa filha.
PROFUNDAMENTE ENTRISTECIDOS MAS CONFORTADOS PERMANENTE REALIZACAO DIGNA DE ALGUEM TAO NOBRE TAL VALENTE EXEMPLO SERVIÇO CAUSA Bahá'u'lláh PONTO RUHIYYIH EMBORA PLENAMENTE CONSCIENTE PERDA IRREPARAVEL REGOZIJA REVERENTE-MENTE GRATA COROA IMORTAL MERECIDA-MENTE GANHA SUA ILUSTRE MÃE PONTO RECOMENDO ENTERRO BUENOS AIRES PONTO SEU TÚMULO PROJETADO POR VOCÊ ERGUIDO POR MIM LUGAR ELA LUTOU POR GLORIOSAMENTE SE TORNARÁ CENTRO HISTÓRICO PIONEIROS ATIVIDADE Bahá'í PONTO MUITO BEM-VINDO ARRANJAR ASSUNTOS RESIDIR HAIFA PONTO ESTEJA SEGURO PROFUNDA AMOROSA CONDOLENCIA.
À Assembléia Nacional ele escreveu:SERVA AMADA 'Abdu'l-Bahá OBTEVE GLORIA REINO ABHÁ. SUA VIDA TERRENA TAO RICA MEMORAVEL INCOMPARAVELMENTE ABENCOADA FINALIZADA MERITORIAMENTE. PELO LAÇO SAGRADO SEUS EXTRAORDINARIOS SERVIÇOS FORJARAM HONRA INESTIMAVEL MORTE MARTIR AGORA ACRESCENTADA. DUPLA COROA MERECIDAMENTE GANHA. PLANO SETE ANOS PARTICULARMENTE CAMPANHA AMERICA SUL GANHA ÍMPETO NOVO EXEMPLO SEU GLORIOSO SACRIFICIO. POSTO FÉ NO EXTREMO SUL GRANDEMENTE ENRIQUECIDO ATRAVES ASSOCIACAO SEU LUGAR DE DESCANSO HISTORICO DESTINADO PERMANECER PUJANTE LEMBRANÇA IRRESISTIVEL MARCHA TRIUNFANTE EXERCITO Bahá'u'lláh. RECOMENDAR CRENTES AMBAS AMERICAS REALIZAR REUNIOES DIGNAS EM MEMORIA.
O cabograma de Rúhíyyih Khánum, datado de 4 de março, declara:
HUMILDEMENTE GRATA AMADA MÃE RESPONDEU CHAMADO GUARDIÃO VOLTOU SE PARA SUL SACRIFICOU VIDA FE SAGRADA. ROGO ORAÇOES FILHA POSSA SEGUIR SUAS PEGADAS.
Alguns meses após o passamento de May Maxwell, quando o xá Reza Pahlavi do Irã foi deposto e banido de seu lar e veio a notícia de que os Aliados planejavam enviá-lo à Argentina, Shoghi Effendi disse à Rúhíyyih Khánum: "Deixe que os morto-vivos vão e visitem os túmulos dos mortos que vivem."
Uma das características distintivas de Rúhíyyih Khánum era sua compaixão altruísta pelos outros em meio à sua própria dor e tristeza. Esta carta escrita para Lucienne Migette revela sua empatia para com esta Bahá'í francesa, uma das muitas "filhas" espirituais de May Maxwell, a quem era muito apegada:
Desejo ardentemente escrever-lhe em francês, pois sei da ligação mais próxima que significa uma comunicação em seu próprio idioma num momento como esse e eu falo francês - mas lamentavelmente não consigo escrever! Embora, nem precisamos de palavras para expressar como nos sentimos uma com a outra!
De fato, apesar da minha própria dor ao ouvir que a minha amada tinha me deixado neste mundo, fiquei muito angustiada quando percebi que forte golpe isto deve ter sido para você! Sei muito bem como você sente saudades dela! Mas agora, irmã querida, devemos nos consolar juntas. Devemos herdar seu caráter, pois somos suas filhas verdadeiras, as filhas da sua alma radiante e bela. Devemos ser corajosas como ela foi, continuando a servir nossa amada Fé, assim como ela a fez até o último suspiro da sua vida! Creio que este é o legado que ela nos deixou. Seguir suas pegadas, continuar com o trabalho que ela nunca abandonou, dia ou noite, por mais de quarenta anos! Somente desta forma podemos ter certeza de estarmos com ela no mundo vindouro. E tenho certeza, Lucienne, que aqueles que a amam tanto quanto nós, pensam somente em como poder estar com ela novamente!...
O amado Guardião tem sido muito gentil comigo, tão amoroso e gentil. Ele tem me carregado acima do abismo! Foi um choque tão súbito, tão terrível! Eu vivia para vê-la de novo, mas Deus nos tira algo para conceder algo maior. Se minha mãe estivesse comigo, ela não teria morrido em Buenos Aires, sacrificando sua própria vida pela Fé, estabelecendo para nós um exemplo que devemos seguir, e ganhando a coroa do Martírio!! Só podemos agradecer a Deus por temos tido-a como mãe espiritual, pois esse é o laço eterno que não pode ser cortado!
O falecimento de May Maxwell marcou o início de anos turbulentos na Terra Santa. Os horrores da Segunda Guerra Mundial foram desencadeados naquela mesma hora, e todos os membros da família de Shoghi Effendi deixaram a Causa. O sr. Maxwell se encontrou com o Guardião e Rúhíyyih Khánum em Roma, no verão de 1940 e, impedidos de retornar para a Palestina, eles mal conseguiram chegar à França e atravessar o Canal para a Inglaterra no último barco antes que o exército Alemão fechasse as fronteiras. Como Rúhíyyih Khánum relembra esta história em detalhe no livro A Pérola Inestimável, irei somente fazer uma breve descrição.
Embora a "evacuação das crianças" na Inglaterra estivesse no auge e todos os barcos estivessem cheios, eles eventualmente conseguiram passagem no navio SS Cape Town Castle e os três navegaram para a África do Sul, podendo viajar novamente em direção norte até a Terra Santa, via Egito. Esta foi a primeira vez que Rúhíyyih Khánum conheceu aquela parte da África sub-saariana, o que estimulou a sua volta muitos anos depois. Deixaram o sr. Maxwell em Durban, de onde ele voou para Khartoum no Sudão, e Shoghi Effendi e Rúhíyyih Khánum foram de carro de Cape Town até o Cairo, conhecendo alguns dos famosos pontos turísticos no caminho. Na Rodésia (hoje Zimbabwe) eles visitaram o túmulo de Cecil Rhodes e viram as magníficas cataratas Victoria. Quando o carro quebrou numa trilha de selva isolada no Congo, Rúhíyyih Khánum pediu a Shoghi Effendi se ela podia dar uma pequena caminhada enquanto o carro estava sendo consertado. Ela queria esticar suas pernas depois de passar horas no carro e foi caminhando na trilha estreita da selva, sem perceber o tempo que passava, deleitando-se com a beleza da natureza virgem. De repente, foi surpreendida por um ciclista africano que lhe disse que o cavalheiro no carro estava preocupado com ela. Olhando seu relógio, Rúhíyyih Khánum ficou chocada ao perceber que ela tinha caminhado por quase duas horas! Ela pediu emprestada a bicicleta do homem e voltou o mais rápido possível para tirar a ansiedade do Guardião! O espírito aventureiro de Rúhíyyih Khánum era uma das suas características mais cativantes, especialmente quando viajava. Ela amava a natureza; as árvores nutriam seus olhos e alma, e nada a fazia mais feliz do que estar explorando. Nos anos posteriores, ela teve a oportunidade de satisfazer esta profunda atração pela natureza nas várias viagens que fez.
Os anos de guerra foram repletos de atividades e grandes sucessos para o Centro Mundial. Antes da chegada do sr. Maxwell, Rúhíyyih Khánum costumava ajudar Shoghi Effendi fazendo desenhos em escala e construindo modelos em papel e papelão dos degraus dos Jardins dos Santuários, por exemplo. Ela costumava dizer que embora Shoghi Effendi tivesse um senso perfeito de bom gosto e proporção, ele falava que não conseguia visualizar um objeto; tinha que vê-lo num desenho ou modelo. Depois que o sr. Maxwell veio morar em Haifa, um dia Shoghi Effendi pediu a Rúhíyyih Khánum desenhar algo para ele e ela disse: "Mas Shoghi Effendi, você tem um dos melhores arquitetos do Canadá do outro lado da rua! Deixe que ele o faça para ti." Ele olhou para ela surpreso e perguntou: "Teu pai pode fazê-lo?", ao qual ela replicou, "Se pode fazê-lo? Ele já construiu igrejas, hotéis, prédios parlamentares e inúmeras casas. Isto é uma brincadeira de criança para ele."
Este foi o início do que Rúhíyyih Khánum gostava de chamar uma "parceria entre o Guardião e meu pai". Ela diria: "Meu pai era como uma luva na mão de Shoghi Effendi." Foi durante este período que Shoghi Effendi encomendou ao sr. Maxwell a realização de desenhos para a superestrutura do Santuário do Báb, a qual viria a ser a realização mais gloriosa da sua longa e exitosa carreira. O amor e a colaboração entre eles foi a maior fonte de alegria para Rúhíyyih Khánum. Ela costumava dizer: "Realmente aprendi a conhecer e apreciar meu pai através de Shoghi Effendi." Ela gostava de contar a história de como, uma noite, quando Shoghi Effendi estava na cama descansando, ela lhe trouxe um lindo desenho para o portão principal dos jardins do Santuário. Estava magnificamente desenhado e delicadamente pintado de aquarela. Shoghi Effendi pegou o desenho, olhou para ele, e disse com um suspiro profundo, "Não é justo!". Alarmada, Rúhíyyih Khánum lhe perguntou o que havia de errado. "Nada", ele disse, "não há nada de errado; apenas que quando você recebe uma ilustração tão bela, é lógico que você vai querer tê-la!"
Estes foram árduos anos, mas também muito felizes para Rúhíyyih Khánum. Ela costumava dizer: "Eu estava sozinha - era esposa, companheira, secretária e dona de casa." Ela sempre ficava mais feliz quanto mais arduamente trabalhasse. Durante este período ela também ajudou o amado Guardião como revisora, depois que ele completou sua obra prima, A Presença de Deus. Eles sentavam um do lado do outro, cada um segurando cópias das páginas escritas à máquina por Shoghi Effendi e durante horas e horas, revisavam e transliteravam juntos aqueles intermináveis nomes persas. Ela disse que desde seu casamento até o passamento do Guardião, ela sempre estava no quarto com ele quando ele compunha mensagens, tanto em inglês como em persa. Ele compunha em voz alta e sempre entoava em língua persa com sua voz melodiosa. Durante anos ela guardou com carinho a pilha de bordados, acabados e inacabados, que ela costuma costurar durante essas horas.
No final da Segunda Guerra Mundial, a luta de facções entre árabes e judeus começou e o mandato britânico terminou com a guerra israelense pela independência. A escassez de comida e a falta de ajuda solaparam a saúde, normalmente boa, de Rúhíyyih Khánum, deixando-a doente com uma febre e tosse persistente. Ela estava sozinha em casa, cuidando de seu pai e do amado Guardião e sem ninguém para cuidar dela própria. Um dia Shoghi Effendi lhe perguntou se conhecia alguém a quem ela poderia chamar para cuidar dela, e ela pensou na sua querida amiga e filha espiritual Gladys Cotton, que era solteira e gostava muito dela. Com o encorajamento de Shoghi Effendi, ela convidou Gladys para vir, e ela veio, o que foi benéfico para ambas, pois, mais tarde, ela se casou com seu velho amigo Ben Weeden, na Terra Santa. Gladys provou ser de grande ajuda para Rúhíyyih Khánum e ainda mais para Shoghi Effendi.
Desde 1941, quando Rúhíyyih Khánum se tornou a principal secretária de Shoghi Effendi, até 1957, ela escreveu milhares de cartas em seu nome, muitas das quais já foram publicadas. Ela sempre lamentou o fato de que sua caligrafia não era boa e sua ortografia, imperfeita. Ela costumava se referir às suas cartas escritas a mão e dizia: "Se você olhar para algumas dessas letras, verá que Shoghi Effendi, ao lê-las, cruzou os t's, colocou laços sobre os l's, pontos sobre os i's, e fez com que os a's parecessem a's e os o's parecessem o's!" Ela também ria da sua própria ortografia, que às vezes era inspirada, outras vezes terrível. Como ela nunca tinha certeza, perguntava a Shoghi Effendi qual a ortografia correta das palavras e um dia, numa bem-humorada exasperação, ele se virou para ela e disse: "Antes de você entrar na minha vida eu sabia soletrar; agora você me confundiu!"
Ela também freqüentemente descrevia como Shoghi Effendi a treinou para ser uma boa secretária. De 1941 até 1951, quando ele nomeou o Conselho Internacional Bahá'í, Rúhíyyih Khánum escreveu à mão todas as cartas do Guardião. Muitas vezes ela sofria de "câimbra de escritor" no braço e ombro como resultado e foi somente depois que Ethel Revell, um membro do Conselho que residia em Haifa, se tornou sua muito amada secretária particular, que ela teve alguma ajuda para escrever as cartas à máquina. Naqueles primeiros dias de treinamento, Shoghi Effendi lhe dizia exatamente o que escrever, mas quando ela lhe mostrava a carta acabada, ele olhava seu tamanho, rasgava-a e dizia: "Breve! Seja breve!" Ela costumava dizer, com uma risadinha, que aprendeu a lição rapidamente. Nos primeiros anos, ele escrevia os assuntos que ele queria que ela incluísse, à lápis ao pé da carta que ele havia recebido, mas mais tarde, quando ele viu como ela escrevia bem, ele simplesmente lhe dizia verbalmente o que responder. Porém, ela sempre salientou o fato de que ele lia cada uma das cartas que ela escrevia em nome dele antes de incluir sua própria nota. Anos mais tarde, ela não somente escrevia suas cartas pessoais, mas também sua correspondência oficial com as Assembléias Espirituais Nacionais. Ele também pedia que ela lesse as atas das Assembléias Espirituais Nacionais recebidas em alemão, pois ele não conhecia aquele idioma. É desnecessário dizer que ela conseguiu tirar uma tremenda carga dos ombros do Guardião ao desempenhar este trabalho de secretariado.
Em abril de 1948, quando o Canadá formou sua primeira Assembléia Espiritual Nacional independente, Rúhíyyih Khánum se regozijou junto com a Comunidade Bahá'í do Canadá. Ela, verdadeiramente, viveu com os amigos canadenses as celebrações, e através de suas amorosas mensagens, encorajou-os e elevou-os. Para Rosemary Sala, uma antiga e muito querida amiga da família, ela enviou um cabograma, em nome dela e de seu pai:
APRECIARÍAMOS PROFUNDAMENTE ORGANIZASSE SERVIR AMIGOS DELEGADOS, SEJA UM BANQUETE OU BUFFET, NA NOSSA CASA SÍMBOLO ALEGRIA MAXWELL OCASIÃO CONVENÇÃO. ...PROFUNDO AMOR [assinado] RUHIYYIH
Ao qual, três dias depois, Rosemary respondeu:CEM AMIGOS CHEIOS ALEGRIA ACEITARAM JANTAR Ridvan DOMINGO SEUS CONVIDADOS ESPIRITO MARAVILHOSO ELEVANDO CURANDO CORAÇÕES ABALADOS. PROFUNDO AMOR. [assinado] ROSEMARY
À Convenção Nacional Canadense ela escreveu:NOSSOS CORAÇÕES COM VOCÊS TODOS FELIZ TRIUNFANTE OCASIÃO LANÇAMENTO SERVIÇO CANADENSE INDEPENDENTE PRECIOSA RESPONSABILIDADE ASSUMIDA AMADA FÉ . POSSAM SEUS ESFORÇOS QUEBRAR TODOS RECORDES CONQUISTAR LOUROS VITORIA. AMOROSAS SAUDAÇOES MELHORES DESEJOS NOS QUAIS MAY COM CERTEZA JUNTA SE CONOSCO.
[assinado] RUHIYYIH SUTHERLANDA resposta jubilosa da Convenção se lê como segue:
SUA MAGNIFICA CARTA LIDA PRIMEIRA MANHA MEMORAVEL CONVENÇAO AMIGOS PROFUNDA-MENTE GRATOS COMOVIDOS EXULTAM VINCULO COM VOCE E SEUS DEVOTADOS SERVIÇOS SINGULARES GLORIOSA FE. ENVIAMOS AMOR E ORAÇOES. [assinado] PRIMEIRA CONVENÇAO CANADENSE.
A magnífica "carta" em seu cabograma se refere a uma carta de seis páginas datilografadas, assinada "Rúhíyyih Khánum", endereçada "Aos Delegados e amigos participando da primeira Convenção Nacional Bahá'í Canadense".
Duas semanas mais tarde, no dia 10 de maio de 1948, ela recebeu este amoroso cabograma de Dorothy Baker, que representou a Assembléia Espiritual Nacional dos Estados Unidos na primeira Convenção Canadense:
DUAS CONVENÇOES GLORIOSAS SUA MENSAGEM CANADA LIDA LAR MAXWELL ANIMOU TODOS CORAÇOES PONTO SUPLICANDO RAPIDO REESTABELECIMENTO COMUNICAÇAO NOSSO BEM AMADO ORANDO PELA SEGURANÇA DELE MUITO AMOR [assinado] DOROTHY BAKER.
Enquanto o estabelecimento de Assembléias Espirituais Nacionais independentes era motivo de comemoração no mundo bahá'í, a causa da independência política foi motivo de muito derramamento de sangue entre nações naquela época. No livro A Pérola Inestimável Rúhíyyih Khánum refere-se em detalhes à guerra na Terra Santa antes da formação do Estado de Israel. Este cabograma da família Bolles, em abril de 1948, mostra quão preocupados sua família e amigos devem ter estado: "GUARDIÃO TODOS VOCÊS CONSTANTEMENTE CORAÇÃO ORANDO SEGURANÇA ENTORNO PACÍFICO..." O cabograma de Rúhíyyih Khánum para Milly Collins, novamente em abril de 1948, igualmente nos oferece uma idéia de como a situação deve ter sido, e de quão incerto era o futuro: "ESCREVI CARTA, MAS POUCA CHANCE DE ENVIAR DESCULPE. MUITO PRÓXIMA DE VOCÊ SEMPRE QUERIDA. TODO AMOR [assinado] Rúhíyyih." Embora parecesse, às vezes, que as tendas de Armagedon tivessem sido armadas no vale de 'Akká enquanto o fogo de armas ecoava entre mar e montanha, Rúhíyyih Khánum permaneceu calma no coração da tormenta, tendo Shoghi Effendi como seu exemplo.
Rúhíyyih Khánum nos disse que Shoghi Effendi a encorajava a escrever e uma vez, enquanto ela copiava seus poemas favoritos num livro, ele pediu para vê-los. No dia seguinte ele devolveu seu livro, e disse: "Li todos. São lindos, me fizeram chorar." Ela também disse que após a transferência dos restos mortais do "Mais Puro Ramo" e de sua mãe Naváb, do antigo cemitério de Akká para Haifa e seu repouso aos pés do Monte Carmelo ao lado do mausoléu da Folha Mais Sagrada, em uma cerimônia muito tocante, naquela noite Shoghi Effendi olhou-a e perguntou: "Você vai escrever um artigo sobre isso?" Ela ficou surpresa e disse: "Oh, Shoghi Effendi, você quer que eu faça?" Ele disse: "Sim seria muito bom." O resultado foi aquele artigo tocante artigo no volume VIII do The Bahá'í World intitulado: O enterro do Mais Sagrado Ramo e da Mãe de 'Abdu'l-Bahá. O encorajamento dele foi o principal motivo pelo qual ela escreveu o livro Prescrição Para a Vida. Freqüentemente, ela dizia que se sentia tão triste pelos rapazes que retornavam, confusos e desiludidos, da devastadora Segunda Guerra Mundial para um mundo mudado e estranho. Ela queria dar-lhes alguma iluminação, alguma guia e uma forma de ter esperança no futuro. Ela também costumava dizer que David Hofman, que acabava de lançar sua editora de livros, a George Ronald Publishers, a encorajou a escrever o livro e permitiu que ele o publicasse. Depois da publicação, em 1950, ela dedicou a primeira cópia ao amado Guardião. Ele o leu, elogiou e encontrou um erro, posteriormente corrigido; agora está traduzido em seis idiomas. Graças ao treinamento de Shoghi Effendi, ela também se tornou uma ávida leitora de jornais e guardou recortes interessantes até o fim da sua vida.
O sofrimento generalizado daquela época foi aumentado na vida pessoal de Rúhíyyih Khánum devido à severa doença do seu pai nos anos quarenta. Em 1950, quando estavam na Europa durante o verão, Gladys Weeden escreveu para Rúhíyyih Khánum, de Haifa, dizendo que o racionamento de comida era severo e que devido à sérias condições de saúde de seu pai e complicações na sua vesícula biliar, era importante que ela soubesse que não havia comida fresca disponível. Então, depois de uma consulta com o Guardião, foi decidido que o sr. Maxwell deveria partir para o Canadá com sua enfermeira suíça, até que a situação melhorasse em Israel. Quando eles partiram no final daquele verão, foi a última vez que Rúhíyyih Khánum viu seu querido pai. Ele morreu dois anos depois em Montreal.
Depois da formação do Estado de Israel, Rúhíyyih Khánum desfrutou de um grau de liberdade em Haifa que até então não fora possível. A sua vida social se tornou mais variada e animada. Era amiga íntima do prefeito de Haifa, sr. Abba Khoushy, e sua esposa Hanna, e começou a oferecer magníficos jantares e saraus para os dignitários de Haifa. Ela costumava dizer que Shoghi Effendi lhe permitia sempre entreter as pessoas desde que isso não interferisse em seu trabalho e que não fosse esperada a presença dele! Ela dava suas festas na Casa de Peregrinos Ocidentais, na companhia dos membros do Conselho Internacional Bahá'í. Desta forma, ela disse, a ausência do anfitrião era menos óbvia.
O mundo Bahá'í foi tomado por grande entusiasmo, em 1951, com o anúncio da formação do primeiro Conselho Internacional Bahá'í, do qual a própria Rúhíyyih Khánum era membro. Também, ela foi designada como elo de ligação deste Conselho com o Guardião. Estas notícias foram anunciadas para o mundo Bahá'í por Shoghi Effendi, numa mensagem arrebatadora, datada 9 de janeiro de 1951, cujo significado vital pode ser medido pelo fato de ter sido citado por completo no livro A Pérola Inestimável.
Um ano depois, em 1952, após o passamento do sr. Sutherland Maxwell, Shoghi Effendi enviou um cabograma, datado 26 de março, para a Assembléia Espiritual Nacional dos Estados Unidos anunciando que: "MANTO MÃO CAUSA AGORA CAI OMBROS SUA DISTINGUIDA FILHA AMATU'L-Bahá RÚHÍYYIH QUE JÁ SERVIA AINDA SERVE NUMEROSOS NÃO MENOS MERITÓRIOS SERVIÇOS AUTO-SACRIFICANTES CENTRO MUNDIAL FÉ Bahá'u'lláh."
E no ano seguinte, ambos os The Bahá'í News, tanto do Canadá como dos Estados Unidos, confirmaram que: "O lar dos Maxwell, abençoado pela visita do Mestre em 1912, foi declarado um Santuário, para tornar-se, para os Bahá'ís, o lugar mais sagrado no Canadá, mais até que o futuro templo." Este não foi somente um dos maiores presentes concedidos por 'Abdu'l-Bahá para a comunidade Bahá'í canadense, mas também foi um reconhecimento dos serviços inigualáveis de três dos mais destacados servos de Bahá'u'lláh - William Sutherland, May e Mary Maxwell.
No dia 15 de dezembro de 1952, o amado Guardião anunciou que cinco Conferências Internacionais seriam realizadas durante o Ano Santo 1953, e nomeou Rúhíyyih Khánum para ser seu representante na Conferência de Wilmette. Foi um cabograma inspirador, que não somente ofereceu aos Bahá'ís um panorama completo da sua história e os desafios que lhes esperavam adiante, mas também enumerou especificamente as funções de Amatu'l-Bahá. Ela devia, nas suas palavras:
COMUNICAR MINHA MENSAGEM OFICIAL CRENTES REUNIDOS ELUCIDAR CARATER PROPOSITOS IMINENTE DECADA DURACAO CRUZADA MUNDIAL ESPIRITUAL REUNIR PARTICIPANTES ENERGETICA ENTUSIASMADA CONTINUA REALIZACAO TAREFAS COLOSSAIS A FRENTE.
Além disso, ele lhe delegou a dedicação do Templo Mãe da América do Norte em nome dele e:
DESVELAR OCASIAO CONCLUSAO CONSTRUCAO TEMPLO MAE OCIDENTE PRIVILEGIADOS PARTICIPANTES CONFERENCIA WILMETTE LEMBRANÇA MAIS APRECIADA FUNDADOR FE NUNCA ANTES DEIXOU LITORAL TERRA SANTA PARA SER COLOCADO SOB CUPULA EDIFICIO CONSAGRADO PONTO ALEM DESIGNANDO ELA TAREFA ATUAR MINHA REPRESENTANTE HISTORICA CERIMONIA MARCANDO INAUGURACAO OFICIAL MAIS SAGRADO MASHRIQUL-ADHKAR MUNDO Bahá'í CULTIVOU GLORIA SEMPITERNA HONRAR MAXIMO NOME CORACAO CONTINENTE NORTE-AMERICANO. [assinado] SHOGHI
Quando a Assembléia Espiritual Nacional dos Estados Unidos lhe perguntou se ela aceitaria ser um dos palestrantes-chave na Conferência, ela naturalmente aceitou. Quando Shoghi Effendi soube disto, ele lhe perguntou: "Consegue fazer isto?" A resposta de Rúhíyyih Khánum foi absolutamente típica: "Se eu não tivesse nada para dizer aos Bahá'ís depois de dezesseis anos ao teu lado", ela lhe disse, "então eu não teria sido digna desta honra." Ela era corajosa por natureza embora sua humildade fosse também instintiva. E o amor por Shoghi Effendi moderava cada resposta sua. Ela tinha uma capacidade, mesmo sob forte pressão, de manter seu coração focalizado no Convênio, seus olhos fixos corajosamente adiante e seus pés firmes no chão.
Eu vim à Terra Santa como peregrina no Ridvan de 1953 e lembro-me que Amatu'l-Bahá partiu para Wilmette um dia antes do término da minha peregrinação. Nunca esquecerei de como ela estava nervosa e ansiosa. Ela tinha deixado a América do Norte 18 anos antes, quando era uma jovem Bahá'í e era conhecida como a filha de May Maxwell. Agora ela estava retornando como Amatu'l-Bahá Rúhíyyih Khánum, a companheira do amado Guardião e uma Mão da Causa de Deus. Todavia, ela estava à altura do desafio. Embora eu fosse muito jovem, fiquei, como todos os que a conheceram, imediatamente impressionada pelo seu encanto inerente e presença régia, e desarmada pela sua vitalidade espontânea, seu olhar firme e direto. Ela tinha olhos que mudavam de cor segundo a roupa, algumas vezes pareciam ser verdes, outras vezes azuis. Ela mesma os chamava de "olhos amarelos" e quando ela dirigia seu olhar firme para você, não era fácil permanecer impassível. Em Wilmette, ela se levantou para falar como uma rainha que era; seu véu delicado e transparente enquadrando seu rosto jovem e encantador, e até mesmo pelas fotografias é fácil entender como ela deixou uma impressão inesquecível nos Bahá'ís assim como nos contatos não-Bahá'ís e palestrantes proeminentes. Quando o coordenador a apresentou, vertendo muitos elogios floridos, ela gracejou: "Depois de uma introdução como essa eu deveria ser baixada do céu!" O público caiu na risada!
Havia 2000 crentes reunidos para a dedicação do Templo em Wilmette, e Rúhíyyih Khánum cumprimentou cada um deles, tanto que ficou com uma bolha na mão. Ela nos dizia como ela mantinha intacto este machucado no seu dedo girando seu anel diariamente e pressionando-o fortemente sobre a pele durante quase três semanas, até retornar para Haifa. Então ela mostrou-o para o Guardião e disse: "Olha para isto, Shoghi Effendi. Havia tantos Bahá'ís presentes, que fiquei com uma bolha."
Depois de participar na quadragésima-quinta Convenção Anual de 1953, na Dedicação Bahá'í do Templo, e na inauguração pública no dia seguinte, ela participou na Conferência Intercontinental das Américas, do dia 3 até o dia 6 de maio. Num cabograma respondendo a Milly Collins, Shoghi Effendi declara:
REGOZIJO SUCESSO SERVITUDE AMATU'L-Bahá LIMIAR SAGRADO COMPARTILHO VOSSO ORGULHO ORACOES CONTINUADAS ENVOLVENDO AMBAS.
Rúhíyyih Khánum foi acompanhada em toda a sua viagem por Amelia Collins, uma das Mãos da Causa de Deus e vice-presidente do Conselho Internacional Bahá'í. Dos Estados Unidos, elas foram para Montreal para visitar o túmulo do seu pai, o que levou Shoghi Effendi a enviar as seguintes instruções para a Assembléia Espiritual Local de Montreal:
OCASIÃO VISITA AMATU'L-Bahá MONTREAL ACONSELHO TODOS AMIGOS REUNIREM-SE TUMULO MAO CAUSA SUTHERLAND MAXWELL RENDER TRIBUTO SEUS SERVIÇOS IMORTAIS CENTRO MUNDIAL FE PONTO INSTRUINDO AMATU'L-Bahá MILLY COLOCAR BOTOES SANTUARIO E TAMBEM FLORES FRESCAS EM MEU NOME PONTO AGRADEÇO FOTOGRAFIA AMIGOS REUNIDOS AMOR.
Ele pediu a Rúhíyyih Khánum que comprasse flores no valor de US$120.00 em seu nome para este evento, e solicitou expressamente que a maioria delas fossem azuis. Ele sabia que a cor favorita de Sutherland Maxwell era o azul. A reunião em homenagem dele foi realizada ao lado do túmulo no dia 10 de maio e naquela noite Rúhíyyih Khánum falou numa reunião pública no Hotel Ritz-Carlton.
Após todas estas responsabilidades, restou ainda a dolorosa tarefa de separar os pertences de seus pais e, com o consentimento de Shoghi Effendi, ela despachou sua mobília pessoal para Haifa. Ela, então, fez uma coisa maravilhosa que agradou imensamente ao Guardião. Ela doou sua casa à Fé, "O Santuário Bahá'í", na Pine Avenue West, 1548. A casa está agora registrada em nome da Assembléia Espiritual do Canadá.
Quando finalmente retornou para Terra Santa, ela encontrou Shoghi Effendi esperando por ela no topo da escadaria, em seu próprio apartamento particular na Casa do Mestre. Ele estava tão emocionado com seus sucessos nesta viagem que havia preparado um presente especial para seu regresso ao lar, que entregou ali mesmo na escada. Anos depois, ela me mostrou a linda pasta trabalhada em couro que enquadrava duas lindas folhas de papel brilhante, escritas pela própria mão de Shoghi Effendi. Ele havia escrito em inglês de um lado e em persa do outro e a essência das palavras era algo como: "Bem-vinda Amatu'l-Bahá, bem-vinda. Você retorna vitoriosa do cumprimento de seus deveres fundamentais. Sua mártir mãe e seu santo pai estão orgulhosos de você e seu Guardião está muito satisfeito com você." Naturalmente estas não eram as palavras exatas do Guardião, mas simplesmente o que consigo lembrar delas.
Nos últimos anos de vida do nosso amado Guardião, Amatu'l-Bahá estava extremamente atarefada. O Edifício dos Arquivos Internacionais estava sendo construído e Shoghi Effendi havia começado a comprar a mobília apropriada para ele, durante os verões que passou na Inglaterra. Com a ajuda de Rúhíyyih Khánum ele procurou e encontrou todos os ornamentos e armários necessários para abrigar as preciosas relíquias da Fé. Rúhíyyih Khánum freqüentemente dizia: "Shoghi Effendi era o caçador e eu era seu cachorro de caça." Ela saia e procurava o que fosse que ele necessitasse. Quando ela encontrava o objeto apropriado, ela retornava, lhe informando a respeito. Então eles saiam juntos, e se ele gostasse do objeto, comprava-o.
Uma vez ela pediu a Shoghi Effendi que lhe cedesse algum lugar no terreno da sua casa para fazer seu próprio jardim. Ele lhe ofereceu um pequeno canto no quintal da casa para fazer com ele o que bem entendesse. Ela trabalhou neste jardim com grande entusiasmo, fazendo planos para um aquário de peixes e canteiros de flores, que, quando completados, transformaram o pequeno pedaço de terra num pequeno, mas lindo jardim. Quando Shoghi Effendi estava comprando as águias para enfeitar os jardins dos Santuários, ela própria encontrou uma pequena águia de pedra, e, como ele concordou que ela podia tê-la, ela colocou sua própria águia no teto de um pequeno prédio, perto do seu laguinho e jardim. Além disso, durante este período e geralmente até bem tarde da noite, no único tempo que ela tinha livre, ela projetou e decorou os três quartos da Casa de 'Abdu'l-Bahá, que o Guardião tinha designado que ela mobiliasse com seus móveis de Montreal. A Casa do Mestre era extremamente simples. Eles haviam sido prisioneiros e exilados e não tinham acumulado móveis de valor. Somente a sala de visitas do Mestre, no qual Ele recebia oficiais não-Bahá'ís no final da Sua vida, havia sido mobiliado pela Folha Mais Sagrada com um conjunto de cadeiras e divãs combinados que ela havia comprado em Beirute. Agora que Rúhíyyih Khánum tinha seus próprios móveis, começou a fazer dela a sua própria casa. Ela criou uma maravilhosa biblioteca que usou posteriormente para jantares especiais, especialmente para dignitários e ela chamava sua linda sala de visitas de "Montreal em Haifa".
De 1952 em diante, quando alguma segurança e ordem foi restaurada em Israel, Shoghi Effendi reabriu as portas da peregrinação, e os amigos, privados por um período de mais de dez anos, começaram chegar na Terra Santa em grupos de nove, tanto do Oriente como do Ocidente. Recepcionar-lhes, suprir suas necessidades e auxilia-los com seus problemas, era por si só uma tarefa considerável que consumiu não somente muitas horas do tempo do Guardião, mas também de Rúhíyyih Khánum. As três refeições para ambas as Casas de Peregrinos, do Oriente e do Ocidente, assim como para os empregados domésticos, eram preparadas na cozinha da Casa de 'Abdu'l-Bahá e era Rúhíyyih Khánum que tinha de planejar e preparar estas infindáveis refeições, enfrentando uma grande escassez de todo tipo de alimentos básicos nos anos pós-guerra.
Em 1957, o amado Guardião e Rúhíyyih Khánum partiram juntos para suas férias de verão pela última vez. O Guardião estava muito cansado. Como era costume, ele mantinha toda sua correspondência na sua ausência e carregava consigo todas as notas para seu mapa da Cruzada de Dez Anos, a qual estava alcançando a metade do caminho. Em agosto desse ano, ele entusiasmou os Bahá'ís do mundo com uma mensagem dupla. A primeira parte era o anúncio de cinco Conferências Intercontinentais para comemorar o ponto meridiano da Cruzada, e a segunda parte era a nomeação de mais oito Mãos da Causa em diferentes continentes. Todos estavam cheios de expectativa. Todos esperavam muito júbilo e comemoração por vir. Nós, em Uganda, estávamos extremamente emocionados pois tínhamos sido informados com estupefação e emoção que a nossa preciosa Amatu'l-Bahá fora nomeada pelo amado Guardião para representá-lo na Conferência Africana, em Kampala. Ela viria até nós!
E então, no dia 4 de novembro, a estarrecedora notícia do passamento de Shoghi Effendi abalou o mundo bahá'í. Ele havia morrido em Londres - ouvimos incrédulos - e nos deixara. A comunidade do Máximo Nome, que havia se volvido para ele, obtendo orientação, encorajamento, liderança e, sobretudo seu amor abrangente, durante trinta e seis anos, estava perdida e à deriva. E não havia ninguém a quem se volver exceto Amatu'l-Bahá, embora ela fosse a mais desamparada de todos nesse momento. A sua mãe, que ela adorava, havia morrido longe dela, e seu pai, que ela tanto prezava, também se fora e agora ela havia perdido seu Guardião que substituíra a ambos. Sua própria história dolorosa, intitulada O Falecimento de Shoghi Effendi, escrita logo depois dele falecer, nos relata tudo o que podia ser dito. Mesmo assim, nunca saberemos o que ela deve ter sentido em sua alma naquela fria manhã de novembro no quarto de hotel quando ela constatou que seu amado partira. Ela estava sozinha, e segundo lhe constava, o Guardião não deixara testamento. Cabia-lhe tomar o passo seguinte para decidir o que deveria ser feito.
IIIO choque devastador do passamento inesperado do amado Shoghi Effendi marcou Amatu'l-Bahá por toda a sua vida. Ela me disse mais de uma vez, geralmente em tempos - que eram raros - de tristeza e melancolia, que naquela terrível manhã quando ela foi para sua cama e o saudou como era de costume, e ela não recebeu resposta e o tocou, constatando que ele estava frio, e então percebeu, como uma punhalada de dor, que ele havia partido, seu reflexo imediato foi de se matar. Ela disse, entretanto, que tal estado mental e emocional não duraram muito tempo, pois ela sabia muito bem que ele não ficaria contente com ela se tivesse feito isso. Ele a treinara por vinte anos e delegara a ela seus assuntos. Como podia falhar-lhe agora, nesse momento de infortúnio? Nos primeiros anos quando chegamos em Haifa, meu marido, Ali, e eu ouvimos ela dizer várias vezes que, durante seu último verão em Londres, Shoghi Effendi numa ocasião lhe dissera: "Não quero retornar para Haifa, volte sozinha, você sabe o que fazer." Ela disse que na época ela atribuíra esta declaração a seu extremo cansaço e melancolia, pois ele estava doente com uma severa gripe. Mas, depois, a lembrança destas palavras lhe deu coragem e auto-confiança. O cumprimento de todas as esperanças e a concretização de todas as aspirações dele para a Cruzada de Dez Anos se tornaram de importância primordial para ela. O beneplácito dele se tornou a meta e o objetivo da sua existência. A partir desse momento até o final da sua vida, as suas prioridades nunca se desvaneceram.
Diante da sua própria imensurável perda pessoal, porém, é notável considerar com quanta abnegação seu coração se voltou para os crentes e irmãos de fé nessa hora crítica de provações, com quanto heroísmo, coragem e compaixão ela se tornou o nosso farol de guia, mostrando o caminho para a segurança. Ela apelou com toda sua alma à Fonte invisível de vida e luz, e então se pôs a fazer o que tinha de ser feito. Ao seu redor todos os amigos estavam rendidos pelo luto e desanimados pela tristeza, deixando-a a enfrentar sozinha a dolorosa tarefa diante dela, por amor a Shoghi Effendi. Ela tinha que informar as Mãos da Causa e o mundo Bahá'í sobre este trágico evento de tal maneira que pudesse diminuir ao máximo as ondas de choque que certamente causaria. Ela precisava pedir aos crentes entristecidos para virem ao funeral a fim de se despedirem pela última vez do seu Guardião. Ela percorreu Londres à procura de um terreno digno para o sepultamento e o encontrou. Ela procurou por um sudário, escolheu o ataúde e os comprou. Ela cuidou de todos os detalhes nos tristes dias que se sucederam. E no dia após o funeral, enquanto ela dirigia, voltando do túmulo, ela teve no íntimo da sua mente a visão de uma coluna, uma águia e um globo. Foi ela quem concebeu o monumento sobre seu túmulo. Ela se lembrou do quanto Shoghi Effendi gostava de lindas colunas e como ele havia mencionado ser uma pena que em seus jardins não havia lugar para uma coluna sequer. Com este pensamento em mente, ela criou a graciosa coluna elevando-se sobre seu túmulo e colocou um globo sobre ela, coroado pelo símbolo de suas vitórias: a águia majestosa, com suas asas abertas. Estava pronta para voar? Ou talvez tivesse apenas aterrissado das suas sublimes alturas?
No dia 15 de novembro Rúhíyyih Khánum chegou em Haifa, acompanhada pela sua querida amiga e colega, a Mão da Causa Milly Collins. Três dias depois, o primeiro Encontro de Mãos da Causa começou em Bahji. Foi durante os primeiros dias deste Encontro que eles procuraram pelo testamento de Shoghi Effendi e não o encontraram. Ao final dessa reunião histórica, as Mãos da Causa informaram à estupefata comunidade do Máximo Nome que não havia outro recurso senão voltar-se de coração e alma às diretrizes explícitas no livro A Dispensação de Bahá'u'lláh, o qual Shoghi Effendi referiu-se como sendo sua Vontade e Testamento, para completar os objetivos da Cruzada de Dez Anos que ele lhes legou antes de morrer, e para organizar a eleição da Casa Universal de Justiça ao final desse período, a única fonte infalível de guia para o futuro.
Durante esse primeiro ano depois do passamento de Shoghi Effendi, Rúhíyyih Khánum passou a maior parte do seu tempo em Bahji e dormia na Mansão. Além de realizar todos os pesados deveres administrativos, ela se envolveu em trabalhos físicos, limpando o Santuário e trabalhando nos jardins. Ela não suportava o vazio e a solidão de seu quarto em Haifa. Os cinco ou seis anos que se seguiram foram talvez os mais tristes e difíceis de toda sua vida. Seu livro de poemas Em Tudo Está a Tua Lembrança é a melhor testemunha da sua melancolia. O primeiro poema desta coleção, "Um Desperdício, Um Desperdício, o Mundo Para Mim" foi escrito no dia 2 de dezembro, nem um mês após o falecimento do amado Guardião.
As mensagens das Mãos da Fé escritas durante este período nos dão um vislumbre da esmagadora responsabilidade que estes homens e mulheres valentes assumiram tão habilmente para proteger a Causa de Deus e liderar os Bahá'ís do mundo para sua vitória final. As Mãos da Causa que se reuniram nos conclaves eram pessoas fortes do Oriente e do Ocidente. Sua meta e objetivo principal era dirigir e manter unidos os assuntos da Causa de Deus, mas freqüentemente parecia haver abismos imensuráveis entre seus pontos de vista conflitantes. O sr. Samandarí, o mais velho e um dos mais respeitados e amados entre as Mãos, costumava dizer que o papel que Amatu'l-Bahá desempenhou nesses primeiros encontros foi vital. Ela se tornou a ponte entre culturas e línguas, uma Ocidental imbuída de compreensão Oriental. Seus horizontes haviam sido ampliados e estendidos por Shoghi Effendi. Como resultado do seu profundo senso de justiça e a sua habilidade para compreender claramente ambos os lados de qualquer argumento, os abismos foram gradualmente reduzidos e negociados.
Amatu'l-Bahá demonstrou seu próprio e imediato compromisso para servir depois do falecimento do Guardião quando ela aceitou comparecer na primeira de uma série de Conferências Intercontinentais Bahá'ís que o amado Guardião mandou fazer para marcar e celebrar o ponto médio da Cruzada de Dez Anos. Inicialmente, seu luto era tão intenso que ela não queria ir, mas seus colegas Mãos da Causa a convenceram que, uma vez tendo sido o desejo de Shoghi Effendi, ela devia ir. Ela viajou com o Dr. Lutfu'lláh Hakím, um membro do Conselho Internacional Bahá'í que havia sido nomeado por Shoghi Effendi para escoltar Amatu'l-Bahá nessa viagem. Sua querida prima, Jeanne Chute, com seu esposo Challoner, também a acompanharam. Embora Rúhíyyih Khánum estivesse de luto, e vestiu-se de preto por um ano depois do falecimento de Shoghi Effendi em conformidade com o costume Oriental, ela alterou este costume pela duração da sua viagem para a África e chegou ao Aeroporto de Entebbe vestida lindamente num traje branco simples. Ela me disse depois que todas suas roupas para essa Conferência haviam sido vistas e aprovadas pelo Guardião no verão anterior, e esta foi uma das razões pela qual ela não veio para Kampala vestindo roupas de luto. Ela também queria criar um senso de júbilo durante esta Conferência da forma que Shoghi Effendi antecipou que devia ser, e ela sabia que um estado de luto não permitiria isto. Seu padrão de vida sempre foi a aprovação e satisfação dele.
Mais de 900 pessoas se levantaram em condolência e admiração quando ela entrou no Saguão da Conferência em Kampala, no dia 24 de janeiro de 1958. Ela era alta, estava altiva e muito bonita. E então, 400 Bahá'ís africanos elevaram suas vozes e começaram a cantar "Alláh-u-Abhá" suave e espontaneamente. O ar estava tão carregado de amor, tão pleno de emoção enquanto Amatu'l-Bahá caminhava pelo corredor central, que todos nós nos sentimos tocados. Nos sentimos erguidos a planos mais elevados. Quando ela ficou em pé, à nossa frente, para se dirigir à Conferência, a sua voz se embargou e lágrimas encheram seus olhos várias vezes. Mas as ondas de amor profundo e simpatia nessa platéia eram tangíveis; elas a cobriram e acariciaram, até finalmente aliviarem sua dor. Freqüentemente ela dizia que o amor dos amigos, especialmente os africanos, foi como um bálsamo para sua alma e uma cura para sua dor naquele momento. Ela também disse que a África era o continente que trouxera a maior alegria ao coração de Shoghi Effendi no final da sua vida. Por isso, ela escolheu colocar o continente da África na frente do globo em cima do seu túmulo. Seu amor pelos africanos e seu continente, se tornou depois parte permanente da sua vida. Ela trouxe para aquela conferência uma perspectiva mais ampla, um panorama global, um ponto de vista universal do qual estávamos desprovidos e voltou dela recarregada com esperança e coragem para continuar.
Embora ela viajasse para diferentes conferências e para a Dedicação dos Templos da África e da Australásia durante o período de custódia das Mãos da Causa, as viagens históricas pelas quais ela é melhor lembrada pelos amigos, somente começaram depois da eleição da Casa Universal de Justiça. Uma das viagens mais importantes durante este período de transição foi a sua visita às principais comunidades dos Estados Unidos e Canadá em 1960. Quando Mason Remey fez a sua ignorante auto-nomeação como Guardião, e mandou dizer que ele iria comparecer à Convenção Nacional em Wilmette para se auto-proclamar aos Bahá'ís, os Fideicomissários da Fé solicitaram a Rúhíyyih Khánum, que conhecia Mason desde a sua infância, que estivesse presente nessa ocasião e protegesse os amigos reunidos de qualquer influência negativa que ele pudesse tentar exercer sobre eles. Através da sua sabedoria, coragem e firmeza no Convênio, ela foi capaz de infundir e reforçar nos corações dos amigos o espírito da confiança e firmeza.
Em 1961, a eleição do Conselho Internacional Bahá'í foi realizada. Este Conselho, que foi o precursor da suprema Casa Universal de Justiça, foi destinado a ser de grande apoio para as Mãos da Causa na preparação para a primeira Convenção Internacional Bahá'í. Ajudou as Mãos a compilar o maravilhoso livreto estatístico no final da Cruzada de Dez Anos, bem como fazer todos os preparativos logísticos. Uma das decisões mais importantes das Mãos, durante este período, foi de que a Rúhíyyih Khánum deveria encarregar-se da finalização do interior do Edifício Internacional dos Arquivos. Novamente, a fim de completar esta tarefa, ela solicitou ajuda aos membros mais jovens do recém-eleito Conselho. Shoghi Effendi havia comprado lindos móveis chineses e japoneses durante o último ano da sua vida com o propósito de decorar e expor as relíquias sagradas, e estas precisavam ser cuidadosamente organizadas e meticulosamente preparadas para seu precioso conteúdo. Talento artístico, um senso de proporção, uma rígida adesão à disposição dos objetos segundo sua ordem de importância - tudo isso guiou Amatu'l-Bahá na sua tarefa. O seguinte reconhecimento escrito pelas Mãos da Causa na Terra Santa, em 28 de agosto de 1961, expressa o significado e os resultados do que ela fez:
Ficamos tão impressionados pelo efeito que foi conseguido no Edifício dos Arquivos que sentimos que devíamos escrever-lhe para expressar a você nossa gratidão. ... O interior é verdadeiramente digno do propósito para o qual o edifício foi projetado. Muitas gerações de Bahá'ís ficarão gratos pelos árduos esforços cumulativos que foram despendidos para fazer do Edifício dos Arquivos um lugar adequado para as relíquias sagradas que conterá, mesmo que não estejam cientes das dificuldades e esforços sob os quais se obteve o resultado.
A conclusão triunfante da Cruzada de Dez Anos do amado Guardião, em abril de 1963, foi coroada pela eleição da longamente esperada Casa Universal de Justiça, em Haifa. Depois de consultar e com a aprovação das Mãos da Causa, Amatu'l-Bahá fez preparativos para conduzir a sessão de abertura da primeira Convenção Internacional Bahá'í na própria Casa de 'Abdu'l-Bahá. Era altamente simbólico que a eleição fosse realizada nessa abençoada Casa, a qual desempenhara um papel tão significativo no desdobramento da Ordem Administrativa de Bahá'u'lláh. Com a ajuda de alguns membros do Conselho, ela trabalhou arduamente para medir o hall central, bem como os quatro quartos juntos a ele e confirmou que o espaço era suficiente para a quantidade exata de cadeiras que acomodasse a todos os participantes.
"O Maior dos Jubileus" foi verdadeiramente inesquecível. Como foi emocionante aquela manhã da primeira eleição da Casa Universal de Justiça, e como foi grande a celebração que se seguiu em Bahjí no Santuário da Abençoada Beleza! Para honrar dignamente a ocasião, Rúhíyyih Khánum havia encomendado milhares de rosas e cravos para cobrir, como tapetes, os quartos interiores dos três Santuários. Com apenas um punhado de ajudantes, ela trabalhou dia e noite, até as primeiras horas do amanhecer, podando os brotos e selecionando as flores para colocar densamente no chão. Este lindo gesto se tornou uma tradição que seria seguida por muitos anos, e foi um exemplo extraordinário da combinação das sensibilidades estética e espiritual de Rúhíyyih Khánum. A beleza e a fragrância dos Santuários, nesse dia, ficaram gravados nos corações e na memória de todos ali presentes. Ela abriu aquela Convenção Internacional Bahá'í e cada uma delas sucessivamente até abril de 1998.
Após a bem sucedida eleição do Corpo Supremo, Rúhíyyih Khánum e as Mãos da Causa de Deus se regozijaram com 7.000 Bahá'ís em Londres no majestoso Albert Hall para a celebração do primeiro Congresso Mundial Bahá'í. Foi nesta ocasião que a Casa Universal de Justiça apresentou sua primeira declaração ao mundo bahá'í, no qual rendia tributo àqueles que
compartilhar(am) a vitória com seu amado comandante, ele que os elevou e nomeou. Eles mantiveram o barco no seu curso e o trouxeram com segurança ao porto. A Casa Universal de Justiça, com orgulho e amor, lembra nesta suprema ocasião sua profunda admiração pelo heróico trabalho que eles realizaram... a realidade do sacrifício, o trabalho, a auto disciplina, a soberba administração das Mãos da Causa de Deus.
Amatu'l-Bahá pessoalmente convidou vários Bahá'ís indígenas da África, América do Sul e Austrália, para participarem deste evento histórico como seus hóspedes pessoais. O "tio" Fred, aquele digno ancião aborígine da Austrália, estava entre eles e sua fé resoluta foi uma fonte de alegria e orgulho para ela. Sua palestra comovedora e provocadora de reflexão sobre a vida de Shoghi Effendi foi uma obra prima de eloqüência e de emoção. E ninguém que a viu ali, se esquecerá das emoções sentidas quando os queridos amigos da África suavemente entoaram os altos e baixos de "Alláh-u-Abhá", mais uma vez, assim como haviam feito na Conferência de Kampala, depois do falecimento do Guardião. E ninguém que os ouviu ali conseguiu reprimir o sentimento de dor, assim como a emoção da alegria, enquanto trazíamos a Cruzada de Dez Anos de Shoghi Effendi para seu desfecho final e triunfante.
As viagens sistemáticas de Rúhíyyih Khánum ao redor do globo começaram no ano de 1964. Muitas vezes, tanto em particular como em público, Rúhíyyih Khánum falava do nascimento destas viagens singulares. Ela contava um incidente na vida de Shoghi Effendi, quando um dia, enquanto ele passava pela mesa dela, ele parou e olhou para ela e disse: "O que será de você quando eu morrer?" Ela ficou devastada por este comentário inesperado e começou a chorar, dizendo: "Ó Shoghi Effendi, não diga coisas tão terríveis. Não quero viver sem ti." Ele, porém, não prestou atenção, e depois de uma pausa continuou: "Suponho que você viajaria e encorajaria os amigos." Ela dizia que este era o único comentário que ele fez sobre o que ela faria com sua vida depois do seu passamento. E então aconteceu que, quando ela estava um pouco mais livre de seus árduos deveres administrativos e os assuntos da Causa foram colocados sob a infalível guia da Casa Universal de Justiça, ela tomou estas palavras como suas últimas instruções para ela e fez o máximo para realizar suas esperanças.
No transcurso da sua longa vida, ela viajou a 185 países, territórios e ilhas principais do globo. Mas, enquanto ela visitou apenas 31 países nos primeiros 54 anos, ela viajou a todos os outros durante seus últimos anos, desde 1964 até sua viagem final em 1997. Quando tentei contar o número de territórios que ela visitou nestes 34 anos, cheguei ao surpreendente número de 154. Muitos destes países foram visitados mais de uma vez e alguns, como a Índia, foram honrados com sua presença até nove vezes.
Mas viajar não foi a única coisa que ela fez durante este período e suas viagens foram de uma variedade tal que a melhor forma de compreendê-las é através do leque de atividades que elas envolviam. De fato, o amplo espectro de suas realizações, desde 1964 até seu último compromisso oficial em abril de 1998, deixa a mente incrédula. Recuar por um breve momento e contemplar tudo o que ela realizou em 34 anos nos deixa deslumbrados. Suas múltiplas atividades cintilam como raios multi-coloridos de luz refletidos através de uma janela de cristal. A pureza concentrada dessa luz era uma - devoção ao Convênio - mas sua expressão era infinitamente variada, ricamente diversa. Lembremo-nos das palavras de May Maxwell escritas sobre e para sua amada filha muitos anos atrás:
Eu realmente sinto, Mary, que as grandes bênçãos espirituais que você está recebendo ao guiar tantas almas para a Abençoada Causa, não são apenas devidas ao poder da atração espiritual que 'Abdu'l-Bahá lhe deu, mas também à sua estrita obediência às instruções de Shoghi Effendi.
Embora eu tivesse o privilégio de acompanhá-la em algumas das suas extraordinárias viagens durante este período, tenho de curvar a cabeça em admiração ao escrever sobre tudo o que ela realizou no decurso das mesmas, profundamente ciente da minha inadequada habilidade para resumir seus feitos. Amatu'l-Bahá Rúhíyyih Khánum costumava dizer: "Vivi cinco vidas numa única vida." Este comentário pode muito bem ser aplicado às suas viagens, pois ela certamente fazia pelo menos cinco vezes mais atividades, durante uma única viagem, do que qualquer viajante normal teria feito.
Em cada país ela desempenhou múltiplos serviços para a Causa. Seu papel como embaixadora da Fé Bahá'í, por exemplo, foi por si só extraordinário. Onde quer que ela fosse, ela se encontrava com Chefes de Estado e autoridades de alto grau a níveis nacionais, locais e até de vilarejos, e se movimentava em absoluta facilidade de uma classe social para outra. Embora ela própria fosse majestosa em todos os aspectos e digna de honra e respeito, ela sempre abordava estes emblemas de poder material e autoridade política com deferência e uma humildade natural. Desde o primeiro momento da sua audiência, ela explicava que sua visita tinha caráter de cortesia, e nada mais. Ela invariavelmente declarava que estava vindo do Centro Mundial da Fé Bahá'í e que estava visitando os Bahá'ís naquele país, que são totalmente apolíticos e não-partidários, que desejam o bem do governo e são obedientes às suas leis. Quando as Assembléias Espirituais Nacionais destes países lhe solicitavam levantar a questão do registro Bahá'í ou faziam qualquer outro pedido durante o transcurso de suas audiências oficiais, ela sempre recusava. Ela então explicava aos Bahá'ís que seu propósito ao encontrar-se com qualquer oficial ou dignitário era apresentá-lo aos princípios da Fé, de uma forma mais íntima, criando uma atmosfera de confiança de modo que mais tarde, quando ela tivesse ido embora, as instituições Bahá'ís pudessem se aproximar mais facilmente do governo e fazer seus próprios pedidos. Esta política invariavelmente dava certo.
Só na África ela se encontrou com 17 chefes de estado e foi imprescindível para ajudar os Bahá'ís a alcançar muitos de seus objetivos legais. O de mais alto grau e aquele líder que ela valorizava mais encontrar, em todas as suas viagens, era o imperador da Etiópia, H. Selassie. O chefe de estado cujo encontro trouxe a maior alegria e orgulho para ela foi sua alteza Malietoa Tanumafili II da Samoa Ocidental, o primeiro monarca em exercício a abraçar a Causa de Bahá'u'lláh. Em todos os seus encontros, ela esforçava-se por ser positiva e procurava toda oportunidade para demonstrar louvor e apreciação durante seus contatos com oficiais de estado, mesmo que muito pouco se fizesse necessário. Quando se encontrou com a primeira-ministra da Índia, Indira Ghandi, por exemplo, ela elogiou sua coragem e altos valores e lhe assegurou suas orações. Não é de surpreender que essa orgulhosa dama ficasse comovida e respondesse com caloroso respeito e reverência. Ela sempre manteve um alto padrão de propriedade nestes assuntos e quando ela compartilhava o palco ou sentava-se para jantar com tais pessoas como o príncipe Philip da Grã Bretanha ou o arcebispo de Canterbury, com governadores-gerais e embaixadores, ela invariavelmente ganhava sua admiração e respeito, não somente por si própria, mas, sobretudo para a Causa de Bahá'u'lláh. Esta era sua principal preocupação. Rúhíyyih Khánum, verdadeiramente não nutria ambição pessoal; ela não estava minimamente interessada em encontrar-se ou estar em tal companhia por si só ou por seu prazer. Era somente pela Causa que ela aceitava qualquer compromisso e convites deste tipo.
Outra atividade que ela empreendeu no transcurso das suas muitas viagens foi o contato com os representantes dos meios de comunicação. Ela deve ter realizado centenas de entrevistas em jornais, rádio e televisão, em capitais mundiais assim como em cidades grandes e pequenas de cada país que visitava. Não importava onde a entrevista fosse realizada, não importava a sua insignificância ou importância, ela se preocupava sobre o que ia dizer e nunca considerou qualquer oportunidade como sendo oferecida por puro acaso. Antes de ir para encontrar-se com um jornalista ou ser filmada num estúdio, ela sempre orava e pedia pela guia de Deus, Sua ajuda e, sobretudo, Sua proteção. Costumava dizer aos amigos que quando eles se encontrassem com representantes da mídia, seu principal objetivo deveria ser criar uma boa impressão sobre a Fé. Ela costumava dizer: "Se estas pessoas se lembrarem de apenas uma coisa; que a palavra 'Bahá'í' significa algo bom, vocês alcançaram seu objetivo." Ela aconselhava os amigos a terem suficiente informação impressa sobre os ensinamentos e conceitos da Fé, na forma de folhetos sempre disponível de antemão, pois os representantes da mídia nunca se recordam corretamente de qualquer informação verbal. Tudo o que eles lembram é a impressão que recebem. "Envidem todo esforço para fazer isto digno de Bahá'u'lláh", ela exortava os amigos. Muitos dos artigos que apareceram depois das entrevistas com a imprensa retratavam o charme pessoal e franqueza de Rúhíyyih Khánum. Num jornal da Nigéria, por exemplo, um jovem repórter atrevido escreveu um artigo muito bom sobre a Fé Bahá'í, finalizando com este comentário: "Madame Rabbani, você é sempre bem-vinda a nosso país; da próxima vez que vier, traga a sua filha, que deve ser muito bonita!" Tantas vezes, seja no rádio ou na televisão, o entrevistador ficava tão interessado em Amatu'l-Bahá que ele aumentava o tempo destinado para ela, às vezes por mais meia hora.
Outro serviço vital prestado por Amatu'l-Bahá no transcurso das suas muitas viagens foi seu papel como representante da Casa Universal de Justiça nas conferências Bahá'ís nacionais e internacionais em todo o planeta. Suas palestras nestas ocasiões eram tanto instrutivas como memoráveis. De pé no palco, em nome da Sagrada Instituição que ela servia, durante convenções Bahá'ís no Ridvan, em conferências para jovens e reuniões nativas, em inaugurações de Templos Bahá'ís e outros grandes eventos históricos para os quais os Bahá'ís viajavam de todos os cantos do globo, ela estava ereta e majestosa e para sempre memorável, a essência da dignidade e beleza. Seu domínio da arte de proferir as palavras certas em cada uma destas ocasiões, sua habilidade para atrair seu público e tocar os corações das pessoas, sua lógica clara e simples que fazia sentido para todos sem exceção e, sobretudo, sua perspicácia e seu senso de humor encantador - estas qualidades criavam afeição e encantavam o público. Quem, dos que a viram em Nova Iorque no segundo Congresso Mundial Bahá'í poderia jamais se esquecer de sua visível alegria? Quem, dos que a escutaram falar em Paris, em Machu Picchu ou Auckland poderia se esquecer de sua eloqüência? Embora Rúhíyyih Khánum não se considerasse uma pessoa devota, que passasse muito tempo fazendo orações, acredito que ela tinha uma genuína reverência que era muito particular e despretensiosa. Quando lhe perguntavam sobre seu poder de falar em público, ela atribuía ao fato de que no começo do seu casamento, Shoghi Effendi lhe recomendou memorizar a bela oração de ´Abdu'l-Bahá que começa: "Ó Senhor, meu Deus e meu Amparo na aflição! Meu Escudo e meu Abrigo nas tribulações!..." e que conclui com esta frase penetrante: "Rouba-me ao silêncio para elogiar Teu Nome entre Teu povo; faze minha voz erguer-se em grandes assembléias e de meus lábios emanar um dilúvio de palavras em Teu louvor."* Também o atribuía ao conselho dado por 'Abdu'l-Bahá a May Maxwell, de voltar seu coração para Ele, orar e depois falar, pois Rúhíyyih Khánum seguia à risca este conselho. Ela deu palestras com o mesmo grau de desembaraço em francês, alemão e em persa. Lembro quando estávamos numa reunião com os Bahá'ís da Ilha de Mauricius, ela perguntou ao público se queriam ouvir seu francês, que estava gramaticamente "enferrujado" e era uma confusão de gêneros, ou ouvi-la em inglês e ter de usar um tradutor? O público inteiro, de uma só voz, rogou que ela falasse em francês e eu, que tinha muitas deficiências para entender o idioma, posso testemunhar o impacto das suas palavras, apesar dos erros! O persa também era um idioma que ela aprendeu oralmente e por conta própria. Ela não conhecia muita gramática e seu vocabulário era limitado e bastante singelo. Apesar das limitações, porém, ela sempre sabia exatamente o que queria dizer, e o dizia vigorosamente, com simplicidade, escolhendo exatamente as palavras certas. Os persas, eu sei, simplesmente adoravam sua engenhosidade ao inventar novas palavras só dela, uma combinação do cruzamento de idiomas e uma vívida imaginação visual traduzida em palavras.
*Orações e Meditações Bahá'ís, pp. 163-165, 9ª ed. - 2001. N.E.
Um dos serviços mais memoráveis no transcurso das numerosas viagens de Rúhíyyih Khánum foi o tempo que ela passou e a atenção que ela dava a pessoas bastante comuns que vivem às margens da sociedade. Rúhíyyih Khánum ficava mais feliz com os habitantes de aldeias, onde quer que eles estivessem. Quando lhe perguntaram qual era seu lugar favorito, o lugar que ela mais havia gostado em todas as suas viagens, ela costumava dizer que eram as aldeias e selvas do mundo.
Raramente perdia a oportunidade para valorizar as pessoas de lugares distantes e remotos sobre os quais poucos tinham ouvido falar e cujas ações simples talvez ninguém jamais viesse a conhecer. Lembro, quando estávamos viajando na África, chegamos a um povoado pequeno na fronteira entre Quênia e Uganda e fomos convidados para almoçar na casa de um homem velho, já Bahá'í há alguns anos. Nos disseram que ele havia trabalhado como cozinheiro, na cidade, para europeus e estava agora aposentado. Ele arrumou uma elegante mesa para seus hóspedes preciosos no seu pequeno barraco, porém limpo e bonito, com uma toalha impecável e brilhante de linho branco e guardanapos combinando e nos serviu um arroz com curry delicioso. Rúhíyyih Khánum, que adorava mesas belas e arrumadas, estava emocionada e fez que ele sentisse como se a sua casa fosse um palácio e a sua hospitalidade como a de um rei. Nunca esquecemos daquele almoço e acho que o nosso anfitrião também não.
Quão freqüentemente, no transcurso destes 40 anos ao seu lado, testemunhei seres humanos tímidos, inseguros, às vezes desalentados sendo elevados por sua genuína bondade, seus elogios e sua paciência. Os cabisbaixos se erguiam um pouco, a auto-estima era restaurada e a dignidade resgatada. Seu instinto era abordar as pessoas com um coração aberto e franco, de forma simples e sem inibições. Consistia em buscar qualidades positivas nas pessoas e verbalizá-las. Mas, embora, ela fosse uma diplomata perfeita em alguns aspectos, ela era também muito direta e freqüentemente dizia coisas de forma franca e sem rodeios. Às vezes ela pode ter ferido o orgulho de algumas pessoas. Porém, eu testemunhei quantas vezes ela se arrependia, o quanto ela sentia remorso posteriormente, se ela julgasse ter sido muito áspera com alguém. O impulso motriz em todos os seus encontros com os Bahá'ís era de despertá-los para a ação e levantá-los para que eles ensinassem a Fé. E freqüentemente, mesmo quando era crítica com indivíduos, sua intenção era proteger a Causa. Se o seu modo de ser parecia às vezes abrupto, e inicialmente difícil para aqueles que a abordavam, era freqüentemente o resultado da sua própria timidez inata, que muitas poucas pessoas percebiam, pois ela ficava desconcertada pela efusão e adulação. Foi assim até o final da sua vida. Embora ela fosse defensora obstinada do respeito devido ao grau que ela ocupava como Mão da Causa de Deus e viúva de Shoghi Effendi, ela era a última pessoa dada a cerimônias com os amigos.
Raramente Rúhíyyih Khánum viajava, especialmente nas viagens mais longas, sem um animal de estimação. Seu amor pelos animais era tal que ela aceitava de bom grado o incômodo adicional de cuidar e limpar seus animais de estimação pela simples alegria da sua companhia. Ela costumava dizer: "Os animais me dão força e vitalidade." Suas mascotes mais famosas e viajadas são dignas de menção. Havia, por exemplo a cotia chamada Usu, em lembrança ao seu lugar de nascimento, a ilha de Usupoto no Panamá. Usu viajou com ela através de 11 países da América do Sul, chegou em segurança à Haifa e viveu uma vida muito feliz e mimada por 20 anos completos. Ou havia o Tooti, o seu papagaio-cinza africano de Gana, que viajou conosco por 30 países na África e nos deu muita alegria. Tooti era um falador fantástico e aprendeu muitas línguas dos muitos empregados de hotéis no nosso caminho; ele também anunciava nossa chegada por todo lado gritando alto 'Safari Africano Rabbani!' Ou havia as duas tâmias travessas, Tillie e Chips, e o papagaio manco chamado Horacio que foram seus acompanhantes na sua viagem às ilhas do Oceano Índico. Ou o lindo filhote de ocelote que comprou de um vendedor numa pequena cidade do Equador, que viajou com sucesso conosco por 13 ilhas nas Antilhas. E, claro, houve muitos outros. Seu lema era: "Você vive somente uma vez; por que não tirar alegria dela?"
Rúhíyyih Khánum foi um dos seres humanos mais trabalhadores que já conheci. Freqüentemente costumava dizer, enquanto se ajoelhava para escovar os azulejos ou polir o chão ou parava em cima da escada pintando paredes e tetos: "Rúhíyyih Khánum fez muitas coisas na vida que Mary Maxwell nunca sonharia fazer." E ela nunca pedia a ninguém para fazer algo que ela não tivesse feito ou poderia fazer ela mesma. Grande parte do seu trabalho duro estava centrado em sua própria casa em Haifa, que foi o eixo de atividades continuas até os últimos dois anos e meio da sua vida. Ela mantinha um círculo de pessoas ao seu redor tão ocupadas quanto ela e as treinava rigorosamente nas artes da manutenção prática no Centro Mundial.
Sua primeira e principal preocupação sempre foi a manutenção e cuidado dos Santuários. Lembro que os únicos problemas sérios que ela teve, que eram raros, eram relativos a danos aos Lugares Sagrados Bahá'ís ou desrespeito demonstrado para com os Santuários. Desde a época da eleição da primeira Casa Universal de Justiça, ela assumiu a tarefa de educar aqueles entre nós que éramos novos em Haifa sobre como cuidar dos Lugares Sagrados. Ela nos ensinou como limpar os Santuários Sagrados, como lavar cada cristal dos lustres, como arrumar e refrescar as flores, como restaurar as cortinas e os forros das cortinas, como cobrir os Limiares com pétalas, de forma simples e informal, sem rigidez. Ela nos lembrava constantemente de manter os preciosos Santuários Sagrados exatamente da forma que Shoghi Effendi os havia dispostos. "Este não é um lugar para inovação, mas sim para preservação" era seu conselho para todos, e ela era altamente sensível se alguém tentasse infiltrar seus gostos e aversões nesta área de serviço. Também, se responsabilizou por periodicamente inspecionar e manter todos os Lugares Sagrados em ordem, emoldurando pinturas, repondo tecidos rasgados e desgastados, mantendo um olho vigilante em qualquer desvio dos modos do Guardião. Quando ela viajava a países nos quais ela podia encontrar tecidos finos, toalhas de mesa ou ornamentos necessários no futuro para estes Lugares Sagrados ou nos Santuários, ela os comprava e os mantinha num depósito na sua casa, para uso futuro. Pois ela era uma pessoa muito prática. Ela sabia que estes materiais quebrariam, ficariam velhos, seriam perdidos e necessitariam ser repostos e ela literalmente criou um estoque de móveis, apropriados para os Lugares Sagrados, que no futuro estariam em harmonia com o estilo e gosto do passado.
Economia era sua ordem constante e ela deplorava qualquer forma de desperdício. Quantas casas ela mobiliou com móveis de segunda mão encontrados nas suas visitas aos mercados de pulgas de Haifa e Jaffa. Quanto ela poupou ao Fundo com suas astutas pechinchas e economias rígidas. A renovação e mobília da Casa de 'Abdu'llá Páshá ocupou seu interesse por vários anos. Ela colaborou e ajudou a Casa Universal de Justiça não somente com a restauração, mas também com a decoração interna. Ela procurou e encontrou mobília do período turco em 'Akká, Nablus e outras áreas, com a ajuda de Salah Jarrah, o servo fiel de Shoghi Effendi. Esta casa em particular é uma obra prima da sua criatividade e habilidade artísticas.
Um dos seus projetos mais cativantes entre as viagens, quando regressava à Haifa, eram os inesquecíveis bazares que ela organizava na sua própria casa. Ela era consumadamente hábil em juntar pessoas e faze-las trabalhar com alegria e harmonia por uma causa. No caso dos seus maravilhosos bazares, esta causa em particular, combinava dois interesses empolgantes: o Fundo e os mercados de pulgas. Quando ainda havia relativamente poucos de nós em Haifa, ela envolvia praticamente quase todos para ajudá-la e arrecadou somas elevadas de dinheiro para causas pelo qual ela sentia carinho tal como o Templo Bahá'í da Índia ou projetos especiais de ensino em diferentes partes do mundo. Esta era uma das muitas maneiras com as quais ela trazia alegria para a Casa do Mestre, que anteriormente vira tanta dor e tristeza. Sem nunca violar sua posição sagrada ou invadir o âmago da sua santidade, ela abriu amplamente as portas e encheu seus quartos com riso encantador, pois ela era um desses seres humanos raros que sabem como combinar a profunda reverência e respeito com a completa liberdade de coração e espontaneidade de expressão.
Outra das atividades sociais importantes de Amatu'l-Bahá em Haifa era seu papel como anfitriã. Sua linda biblioteca, que era sua sala oficial de jantar para convidados e ocasiões especiais, e sua encantadora sala de visitas a qual ela se referia como "Montreal em Haifa", foram cenários de muitos jantares elegantes e almoços festivos. Ela amava adornar uma bela mesa, arrumar flores e supervisionar cada detalhe do evento. Além dos jantares formais, ela também dava muitas festas informais simplesmente por prazer. Depois de retornar da Índia, de vez em quando ela ficava com tanta saudade que dava uma festa da "noite indiana". Ela vestia as poucas senhoras trabalhando nessa época em Haifa com seus lindos saris, desenhava os chãos com magníficos motivos feitos de farinha colorida, tocava música indiana e todos nós desfrutávamos da deliciosa e apimentada comida indiana sob seu teto hospitaleiro. E, também, depois ajudávamos a fazer a faxina com ela! Ou também havia as empolgantes "noites africanas", quando todos os amigos africanos ou que tinham ligação com o trabalho na África eram convidados à sua casa, geralmente no seu lindo jardim, e depois de um esplêndido jantar, tocavam tambores e cantavam à vontade. Como eram animadas suas festas. Os jantares para os novos Conselheiros, também, nas quais os convidados, às vezes mais de 90 pessoas eram apertadas no hall principal "com uma calçadeira de sapato", como ela dizia. Até mesmo o membro da Casa Universal de Justiça, Charles Wolcott, um distinto músico, ficou tão empolgado pelo espírito de alegria numa destas ocasiões que espontaneamente pegou um grande tambor africano dela e o tocou para a imensa alegria de Rúhíyyih Khánum e dos Conselheiros africanos. Muitas centenas de amigos, que conheceram Amatu'l-Bahá em suas viagens, desfrutavam da sua hospitalidade e atenção amorosa quando visitavam Haifa.
Havia, claro, um fluxo regular de peregrinos de 9 dias com os quais ela se encontrava, duas vezes por mês, nove meses ao ano, durante o transcurso das suas últimas décadas residindo em Haifa. Isto era um costume e uma responsabilidade que datava de seus primeiros anos de vida junto a Shoghi Effendi, e que ela mantinha zelosamente até os últimos anos da sua vida. Ela falou com uns 2.000 peregrinos a cada ano no hall principal da Casa do Mestre, ministrando palestras que deram guia e inspiração a muitos e, ela também manteve uma correspondência volumosa, encorajando instituições assim como indivíduos, e respondendo a perguntas e pedidos através de todos estes anos.
Um evento particularmente importante que aconteceu em Haifa durante este período e que trouxe muitas centenas de peregrinos afluindo pelas portas da Casa do Mestre, foi o Centenário da chegada de Bahá'u'lláh à Terra Santa em 1968. Naquele ano, dois mil Bahá'ís se reuniram em Haifa e 'Akká, muitos dos quais cruzaram o Mar Mediterrâneo depois de participarem da Conferência de Palermo na Sicília. Outro evento extraordinário no qual Rúhíyyih Khánum participou foi a comemoração do Centenário do passamento de Bahá'u'lláh durante o Ano Santo, 1992. Nesta ocasião, três mil Bahá'ís vieram para a Terra Santa e se reuniram durante o entardecer de 28 de maio em Bahjí para presenciar a cerimônia durante a qual Amatu'l-Bahá desceu o cilindro contendo o Rol de Honra dos Cavaleiros de Bahá'u'lláh e depositou-o em seu local permanente na entrada do Mais Sagrado Santuário. Na noite da comemoração da Sua Ascensão, após um programa devocional no Haram-í-Aqdas, todos nós circundamos esse abençoado santuário, pelos caminhos que estavam delineados e iluminados por milhares de velas. Rúhíyyih Khánum passou aquela noite e a noite anterior na Mansão de Bahjí. Ela quase não dormiu na primeira noite, pois apesar de sua idade avançada nesta época, ela e seu pequeno grupo de ajudantes trabalharam até as primeiras horas da manhã forrando o Santuário com milhares de botões de rosas e cravos, tal como ela fizera quase trinta anos antes. Quando ela terminou a caminhada em volta do Sepulcro, ela entrou na Mansão, parou na varanda e viu em êxtase e admiração o anel completo de Bahá'ís circundando ao redor desse Sagrado dos Sagrados.
O legado de Amatu'l-Bahá para nós, além das ricas memórias da sua personalidade e as variadas atividades associadas aos seus serviços, também permanece no tesouro dos livros que ela escreveu e filmes que ela produziu. Quando contemplamos a plenitude de seus dias e anos, muitos dos quais foram despendidos em viagens, ficamos admirados como ela conseguiu escrever tanto, tarefa que envolve ficar quieta e sem quaisquer distrações por longos períodos de tempo. Quando é que ela teve suficiente tempo para escrever livros tão valiosos como A Pérola Inestimável? Freqüentemente, quando lhe perguntavam como podia ter uma vida social tão plena, cumprir tantas obrigações administrativas e de ensino e também completar um livro de texto tão volumoso sobre história da nossa Causa, ela dizia: "Trabalhei conforme o padrão de Shoghi Effendi quando escreveu A Presença de Deus." Ela reuniu e leu todo seu material e os fatos em um ano, fazendo copiosas notas. Então, no ano seguinte, ela escreveu o livro. Muitos dos seus livros foram escritos nas pausas entre viagens. Seu Manual for Pioneer, escrito com o desejo prático de ajudar muitos jovens e inexperientes Bahá'ís em todo o mundo, foi o resultado das suas observações enquanto viajava pela África. Começou tomando notas durante sua viagem e então escreveu o livro em Haifa depois que retornou. O Desejo do Mundo é uma compilação de orações e meditações pessoais que ela colecionou durante os anos, nas horas do alvorecer do período do Jejum. The Ministry of the Custodians, sua majestosa compilação cobrindo o período interino antes da eleição do Corpo Supremo, inclui uma poderosa introdução escrita por Amatu'l-Bahá e preenche um vazio fundamental na história bahá'í, cobrindo quase seis anos de serviço inestimável dos Porta-Estandartes da Causa de Bahá'u'lláh. Seu último trabalho literário, Em Tudo Está Tua Lembrança, uma efusão do seu coração entristecido depois da morte de Shoghi Effendi, foi impresso em 1996 e parece, depois do seu próprio recente passamento, nos proporcionar palavras com as quais nos enlutamos por ela. Embora ela tivesse uma excelente ajuda para digitação e para outros assuntos técnicos, Rúhíyyih Khánum estava especialmente envolvida com a aparência e lay-out de todos seus livros, principalmente as capas e sobre-capas, as quais ela mesma sempre escolhia e às vezes desenhava. Para algumas das suas publicações ela inclusive selecionou o formato das páginas e o estilo e tamanho das fontes utilizadas. Ela não ficava contente delegando qualquer tarefa que ela pudesse realizar sozinha, desta forma dominava muitas habilidades como resultado, e supervisionava para que fossem feitos de forma apropriada.
Dois filmes documentários foram produzidos, também, por Rúhíyyih Khánum no transcurso da sua vida, nos quais não somente figurava, mas também dirigia. Mesmo o menor detalhe da trilha e edição de som nestes filmes eram sujeitos a seu gosto e julgamento, pois ela nunca se engajava em qualquer projeto se não fosse com completa dedicação. A Expedição Luz Verde foi o fruto da sua viagem de seis meses em 1975 através da Bacia Amazônica, do altiplano peruano e boliviano, até os Bush Negros de Suriname. Este documentário de duas horas é verdadeiramente uma obra prima clássica, uma expressão da sua preocupação pela moral assim como a luta ambiental das pessoas e lugares tão longamente ignorados e injustamente tratados. Seu segundo filme, uma experiência espiritual profunda, se chama A Peregrinação, e oferece uma peregrinação visual aos Santuários e ao redor dos Lugares Sagrados em Haifa e 'Akká, na Terra Santa, com o privilégio de se ter Amatu'l-Bahá como guia.
Mesmo que tivéssemos todas as imagens das suas viagens memoráveis e todas as gravações de suas palestras à nossa disposição, como é possível abranger uma vida tão rica e ampla como a de Amatu'l-Bahá Rúhíyyih Khánum nesta inadequada exposição em palavras? Ela tocou e encheu minha vida e a vida de numerosas pessoas em todos os cantos do mundo, não somente dando-nos o desejo de servir, mas também trazendo-nos alegria e risadas, e seus relacionamentos têm unido pessoas que perduram anos. Mas a fonte primária de conforto e alegria para a própria Amatu'l-Bahá nas últimas décadas da sua vida era, sobretudo, seu amor pela Casa Universal de Justiça e sua ligação com esta instituição e seus membros individuais. Cada ano, desde o tempo de sua criação em 1963, no aniversário do passamento do amado Guardião, ela recebeu tributos afetuosos e amorosos do Corpo Supremo pelas vitórias que ela ganhara no ano anterior. Cada Naw-Rúz também, ou por ocasião do seu retorno das suas longas viagens e também no seu aniversário, ela recebia amorosas e encorajadoras mensagens pessoais da Casa Universal da Justiça que alegravam seu coração. Em março de 1987, no qüinquagésimo aniversário do seu casamento com o amado Guardião, a Casa Universal de Justiça ofereceu um banquete em sua honra no majestoso salão de banquetes da sua Sede. Esta honra foi repetida uma década depois no seu sexagésimo aniversário na Terra Santa e significou mais para ela do que algo que pudesse ser expresso em palavras. Quando todos os nove membros da Casa Universal de Justiça vieram para sua casa pela ultima vez, três semanas antes do seu falecimento, e prestaram suas homenagens, quando ela estava enfraquecida e acamada, um senso de alegria e contentamento tão profundo a circundaram que era tangível como a luz do sol que entrava no quarto, depois que partiram. Ela permaneceu calada nessa luz por um momento e então disse: "Senti o amor deles; são meus amigos mais próximos." Este laço, que simbolizou sua total dedicação ao Convênio por toda sua vida, foi forte e vibrante até o fim e sempre foi recíproco.
Cerca de duas semanas antes de seu falecimento, ela estava em sua cama com os olhos fechados. Pensei que estivesse dormindo, quando ela subitamente abriu os olhos, volveu-se a mim e disse: "Lembre-se, branco sobre preto." Ela repetiu isso duas vezes, e voltou a fechar os olhos. Não sei se ela estivera sonhando ou pensando em algo específico. Quando ela faleceu, lembrei-me disso, e também me lembrei do tecido quadrado de seda negra aveludada que ela possuía, que estava maravilhosamente bordado com um belíssimo fio dourado. Ela o utilizou algumas vezes para os funerais de pessoas muito especiais, como as Mãos da Causa Milly Collins e Tarázu'lláh Samandarí, assim como Ethel Revell. Cobrimos seu caixão com isto e, colocamos em toda a sua extensão um fino arranjo floral de fúcsias, rosas tubulares e botões de rosas brancas. Terá sido isto o que ela havia visto?
Quão apropriado foi seu funeral, realizado no grande salão central da Casa do Mestre, onde ela havia coordenado a eleição da primeira Casa Universal de Justiça. Assim, seguimos o mesmo padrão que ela havia estabelecido naquela significativa ocasião e retiramos as portas que abrem para os quatro lados do salão a fim de dispor cadeiras para o grande número de pessoas que participariam do funeral. As duas Mãos da Causa estavam presentes, juntamente com membros da Casa Universal de Justiça, Conselheiros do Centro Internacional de Ensino e, vinte e quatro Conselheiros Continentais de todas as partes do mundo. Também participaram membros de sua família e representantes de 76 Assembléias Espirituais Nacionais, altos oficiais das embaixadas dos Estados Unidos e do Canadá, representantes do governo israelense, os prefeitos de Haifa e 'Akká, outros cidadãos israelenses proeminentes e vários convidados especiais. O hall e ambos os lados da entrada principal estavam repletos de maravilhosos arranjos florais estendendo-se pelos degraus abaixo e para dentro do jardim de sua casa. Após as leituras e a recitação da Oração de Finados, ela deixou pela última vez aquela casa, em que havia chegado como noiva 63 anos antes, num caixão carregado por membros da Casa Universal de Justiça. Este caixão lindamente elaborado em cedro claro americano foi levado até o outro lado da rua e baixado à cova, no centro do jardim oposto à casa, por crentes representando uma variedade de origens étnicas. Também o seu túmulo estava ladeado com pilhas de flores em sinal do tributo daqueles que a amavam por todo o planeta, embora, apesar do seu volume, quão poucos pareciam comparados às suas grandes realizações! Quase 1.000 pessoas, incluindo peregrinos e voluntários servindo no Centro Mundial Bahá'í, estavam em pé do lado de fora de sua casa e na rua, fechada ao trânsito, assim como no jardim onde seu túmulo havia sido preparado. O interior do túmulo estava acarpetado por todos os lados com centenas de rosas e cravos, da mesma forma como ela havia preparado para seu amado Shoghi Effendi 42 anos antes. E enquanto chovia, mais orações foram recitadas e entoadas antes que seu caixão fosse baixado à terra. A tempestade que começara na noite do seu passamento finalmente acalmou-se, transformando-se numa garoa enquanto seus preciosos restos mortais foram finalmente sepultados e, parecia-me, então, como se os céus estivessem misturando suas lágrimas com aquelas de todos os que a amavam, admiravam e prezavam.
Penso, para resumir tal vida, que não há palavras mais adequadas do que aquelas expressas na mensagem da Casa Universal de Justiça ao mundo Bahá'í depois do seu passamento:
19 de janeiro de 2000Nas primeiras horas desta manhã, a alma de Amatu'l-Bahá Ruhíyyih Khánum, bem amada esposa de Shoghi Effendi e o último elo na comunidade mundial Bahá'í com a família de 'Abdu'l-Bahá, foi liberada das limitações desta existência terrena. Em meio ao nosso pesar, temos o conforto da certeza de que ela foi reunir-se à glória do Concurso do Alto na presença da Beleza de Abhá.
Para todos aqueles cujos corações ela tão profundamente sensibilizou, a tristeza que esta perda irreparável traz será, no tempo devido, amenizado com a compreensão da alegria que ela estará usufruindo através de sua reunião com o Guardião e com o Mestre, O qual, Ele próprio, orou no Santuário Mais Sagrado, para que seus pais fossem abençoados com uma criança. Através dos séculos vindouros, os seguidores de Bahá'u'lláh irão contemplar com deslumbramento e gratidão, a qualidade dos serviços - sempre ardorosos, incansáveis, expeditos - que ela trouxe para a proteção e promoção da Causa.
Em sua juventude, Amatu'l-Bahá já havia se distinguido por suas atividades na América do Norte, e, posteriormente, tanto com sua querida mãe como por si mesma, realizou valiosos serviços à Causa na Europa.
Seus vinte anos de íntima associação com Shoghi Effendi evocou de sua pena expressões de louvor como "minha companheira", "minha proteção", "minha incansável colaboradora nas árduas tarefas que ombreio". A esses tributos ele adicionou, em 1952, sua decisão de elevá-la à posição de Mão da Causa de Deus, após o falecimento de seu ilustre pai.
O choque devastador da perda do amado Guardião fortaleceu sua decisão de dedicar-se inteiramente, com as outras Mãos da Causa de Deus, para o triunfo da Cruzada de Dez Anos, e subseqüentemente engajar-se, com sua intrepidez característica, em suas históricas viagens pelo mundo...
Uma vida tão nobre em suas origens, tão crucial para a preservação da integridade da Fé, e tão rica em seus dedicados, ininterruptos e abnegados serviços, faz-nos convocar comemorações condignas nas comunidades Bahá'ís, tanto a nível local como nacional, como também reuniões especiais em sua memória em todas as Casas de Adoração.
Com corações suplicantes, oramos no Sagrado Limiar para que sua alma seja envolvida por infinitas graças celestiais ao assumir sua condigna e merecida posição entre a companhia exaltada do Reino de Abhá.
A Casa Universal de Justiça"Ó se eu pudesse viajar, ainda que a pé e na máxima pobreza, a essas regiões e, erguendo o chamado de "Yá Bahá'u'l-Abhá" em cidades, aldeias, montanhas, desertos e oceanos, promover os ensinamentos divinos! Isso, infelizmente, eu não posso fazer. Quão intensamente eu lamento! Apraza a Deus que vós o possais fazer."*
*Epístolas do Plano Divino, pp. 39-40, 1ª ed. 2001.
'Abdu'l-Bahá